19º jogo — Botafogo x Palmeiras — Data: 12 de Julho de 1914 - Local: Rio. — Resultado: Palmeiras, 1x0.
O jogo foi péssimo. Em todo o caso, os players adversários bateram-se com denodo e fizeram, em certos momentos, com que das vastas arquibancadas explodissem salvas de palmas, que quasi sempre repercutiam em todos os lados do gramado. Por vézes o entusiasmo dos espectadores chegava ao delírio; era preciso que houvesse compensação. Os nossos irmãos da paulicéia só podem levar dos cariocas as mais agradáveis impressões. Tudo lhes têm sido facilitado e para atestar o adeantado gráo de cultura dos adeptos do association aqui no Rio, é bastante dizer que os seus entusiasticos aplausos não eram dirigidos únicamente aos players locais. Os rapazes do Palmeiras, mui justamente tam-ém partilharam dêles.
Há muito que os players do Botafogo não se batiam com os seus camaradas da. A. A. das Palmeiras. Ontem, eles reencetaram as pugnas esportivas, até então interrompidas. O primeiro encontro havido entre êles foi no ano de 1908, ocasião em que Mirai, cuja falta foi ontem extremamente sentida, teve o seu primeiro sucesso nas pugnas do foot-ball. O simpático forward, "qui c'est toujours mignon", foi pela imprensa unanime, classificado como um dos melhores elementos da equipe alvi-negra de então. Hoje, êle ocupa na linha de ataque o primeiro plano, podendo ser considerado, mesmo pondo-se em comparação com os estrangeiros aqui existentes, o melhor forward existente no Brasil.
Passemos a descrever o encontro de ontem. Tirada a sorte, esta foi favorável à equipe paulista, que dispoz-se a defender o triangulo que dá costas para a rua General Severiano. Deu saída o Botafogo, cujos players avançam, conseguindo sobrepujar um pouco ao adversário. Êste, entretanto, resiste tenazmente. Fontenelle dá in goal, um violento e lindo kick, que Rachou defende. Pouco depois, ainda cabe a Fontenelie mandar a esféra. ao triangulo adversário, mas Rachou está alerta e consegue mais uma vez, deter a trajetoria da mesma. Lulú também dá um formidável short, que tem pronta defesa. Parece, aos olhos de todos os espectadores, que o club local vai dominar energicamente o adversário e vencê-lo com certa facilidade. Mas as aparências enganam... O club paulista inverte e Xavier tem ocasião de marcar o único ponto do dia, fazendo com que a esfera se aninhe, quasi rasteira, no canto inferior do goal de Apio.
Dai por deante, o Botafogo atacou com impetuosidade, procurando desfazer a vantagem que sôbre si tinha adquirido o adversário. Dão-se alguns corners contra êste, ambos batidos sem resultado para o club local. Godinho deixa passar um penalty contra os players visitantes, talvez por não o ter visto. Octavio Egydio faz uma defesa brilhante, tirando a esfera quasi de dentro do goal, que achava-se indefeso. Burlamaqui perde a oportunidade de abrir o score para o seu team, tendo deante de si unicamente Rachou; pouco depois o mesmo se dá com Menezes, que foi infeliz em seu shoot. Lauro dá um kick que vae ter as mãos de Rachou. O Palmeiras inverte e registra-se um comer contra o Botafogo; apesar de bem batido, em coisa alguma importa. Os paulistas vão pouco a pouco reagindo e as investidas revezam-se impetuosamente. Sem fato algum digno de interêsse, Godinho deu por findo o primeiro halff-time, estando os adversários assim dispostos: Palmeira 1 x Botafogo 0. O segundo half-time, foi tudo menos jogo de foot-ball. Os players que se batiam estavam como que tontos, todos os seus shoots eram violentos e mal dirigidos, o que causava na assistência um certo mal estar, que degenerou num silêncio profundo. Ninguém se manifestava, todos calados. O jogo posto em pratica pelo club local, êste, então, foi péssimo, esteve mesmo abaixo da critica. A transformação que em seu ataque foi operada, longe de melhorá-lo, veio ainda mais prejudica-lo. Burlamaqui, com o seu jogo pessoal, atrazava-se, o mesmo fazendo a seus companheiros. Dada a saída pelos paulistas, êstes atacam incessantemente ao Botafogo, domiando-o durante alguns minutos; o desanimo ia se apoderando dos cariocas de tal fórma, que players como Rolando, Lulú, Dutra e Villaça furavam repetidas vêzes, fazendo perigar o goal que defendiam. Apio defende algumas bolas. São notados alguns hands contra o Palmeiras; Villaça bate-os todos, sem, entretanto, nada conseguir para sua equipe. Em todo o caso após quinze minutos de jogo, o Botafogo vai adquirindo terreno e consegue manter na porta do goal de Rachou um bombardeio, a que êste opõe a mais tenaz das resistências. O ataque local era indeciso; por vêzes levaram com a esfera a fazer uma série de passes, mesmo na proximidade do goal adversário, quando deviam shoota-la. Só assim poderiam ultrapassar as barras inimigas. O Palmeiras fazia lá um ou outro ataque espaçado. Houve uma ocasião em que a falta de chance dos cariocas fez com que êstes não conseguissem o seu ponto. Há uma verdadeira scrimage na porta do goal adversário; Rachou cai, mas no meio de uma confusão medonha, a esfera volta ao meio do campo, fortemente impulsionada. Os players locais voltam à carga, mas precipitadamente; Vieira bate dois corners, um dos quais é escorado por Menezes com uma cabeçada, que passa roçando a trave vertical do goal antagonista. A, linha paulista ataca e Villaça salva o goal do seu team pondo a esfèra para comer. Êste, batido, coisa alguma adeanta ao team do Palmeiras. Apio, desviando com o pé um shoot que foi enviado ao seu posto, comete um corner. Lincoln bate-o e manda a esfera out-side. Fontenelle dá um shoot in-goal, que é defendido pelo Rachou e, pouco depois, êste keeper corta um passe de Vieira que, pela colocação de Fontenelle redundaria fatalmente num goal. Este feito valeu-lhe aplausos. Dão-se alguns lances sem im-ortancia e o match termina, com a vitória do conjunto paulista pelo score de 1 goal a 0. Palmeiras, 1 goal x Botafogo, nihil.
Os teams oue se bateram obedeciam a seguinte organização:
PALMEIRAS — Rachou; Octavio Egydio e Paulo Pinto; Zecky, Lincoln e Renanlou; Piga, Xavier, Nazareth, Morelli e Gilberto. BOTAFOGO — Apio; Villaça e Dutra; Couto, Lulú e Rolando; Vieira, Menezes, Mario Fontenelle, Burlamaqui e Lauro.
No segundo half-time a sua linha jogou assim modificada: Burlamaqui, Vieira, Fontenelle, Menezes e Lauro. Foi um desastre essa sua nova constituição. Falemos sôbre os teams que ontem mediram fôrças. O Palmeiras é homogeneo, sendo mais forte que o que aqui se bateu com o Fluminense, aliás, coisa que por todos devia ser perfeitamente sabido, porquanto não viria absolutamente bater-se com um conjunto que já bateu o do Fluminense com um outro mais fraco do que foi por êste derrotado pelo elevado score de 7 goals a 2. Não admitimos que pensem ao contrário de nós, mesmo porque, assim sendo, demostrarão um espirito de muita infantilidade. O jogo do conjunto paulista não foi dos melhores mas esteve muito superior ao do adversário. Este nunca nos patenteou um jogo tão ruim como o de ontem. Todos foram demasiadamente infelizes e, entre êsses onze footballers, é uma coisa humanamente impossível dizer-se qual o que pior jogou. Villaça, Lulú e Rolando foram, justiça seja feita, os que mais cavaram no final do match, afim de ver se conseguiam, ao menos empatar. A "urucubaca" pegou-os. Uns dizem que foi o azar de Sidney, o que não acreditamos, pois "urubú quando está caipora"...
O referee, sr. Godinho, foi por vezes injusto nas suas decisões. Não queremos dizer com isso que êle fôsse partidário, pois sabemos perfeitamente quem é o distinto sportman que ora nos visita, mas atribuimos os seus erros a um estado de excitação das celulas nervosas que vibravam em vista do receio que êle tinha de cair no desagrado do nosso exigente público".
NOTAS — Já se transformara o ambiente esportivo, o que se nota da própria descrição transcrita, mais sincera, talvez, criticando o juiz e os quadros, ao contrário das descrições anteriores que enalteciam até os quadros derrotados por elevado score, como os do próprio Palmeiras, nos famosos 7 x 2 e 6 x 1. O panorama político também se transformara, pois que desde 1913 o Botafogo voltara airosamente à Liga Metropolitana. Em São Paulo, também em 13, dera-se a cisão, Paulistano, Palmeiras e Mackenzie haviam fundado a Associação Paulista de Esportes Atléticos que a Metropolitana passou a apoiar e que em 1914, com a entrada do São Bento e do Ypiranga, ofuscou a velha Liga Paulista, onde começava a surgir o valoroso Corintians, com Bianco Néco, Amilcar e Police, êste, mais tarde, nosso bravo defensor. O nosso quadro de 1914, contra o Palmeiras, esteve realmente em uma tarde negra, pois que fora dai brilhou, sendo o vice-campeão carioca, com uma derrota apenas e um único ponto abaixo do campeão Flamengo perante o qual manteve-se invicto (2x2 e 2x1). Em nosso ataque fizeram muita falta Mimi e Abelardo. O primeiro, substituído por José Leal Bularmaqui (irmão mais velho do campeão de 1930), estava no auge de seu extraordinário jogo, tendo sido o autor do goal da inesquecível vitória de 1x0 contra o Fluminense, goal formidável, obtido após driblar toda a defesa tricolor (21 de junho de 1914). Abelardo que, infelizmente já poucas vezes atuava, justamente em julho brilhou esplendidamente, pois no domingo anterior ao jogo contra o Palmeiras, marcara lindamente nossos dois goals no brilhante empate contra o Flamengo, quando o Botafogo apresentou êste terrivel quinteto: Vieira, Abelardo, Fontenelle, Mimi e Menezes. A 14, portanto dois dias após o jogo contra os paulistas, Abelardo fez parte do quadro que abateu o Paysandú por 3 x 0 e a 21 de julho, juntamente com seu irmão Rolando, figurou no scratch brasileiro que obteve a celebre vitória de 2 x0 sobre os famosos profissionais ingleses do Exeter-City, scratch que merece ser aqui relembrado pois que obteve uma das primeiras grandes vitórias do esporte nacional: Marcos; Pindaro e Nery; Lagreca, Rubens Saltes e Rolando, Osvaldo Gomes, Abelardo, Friedenreich, Osman e Formiga. Aliás, já em 1913, falando de grandes vitórias nacionais, Rolando, Mimi e Lauro haviam brilhado no selecionado carioca que a 21 de agôsto abatera por 2x1 o também terrivel quadro inglês do Corintians, selecionado que foi o seguinte: Robinson; Pindaro e Nery; Rolando, Mutz e Laurence; Osvaldo, Sidney, Welfare, Mimi e Lauro.
Acervo particular Alceu Oliveira Castro Jungsted
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 90 de março de 1950
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