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quarta-feira, 11 de março de 2020

OS INTERESTADUAIS DE 1906 A 1910 - 17º JOGO

17º JOGO — Botafogo x Americano. Data: 5 de Novembro de 1911. Local: Rio. Resultado: Americano 3 x 0. 

Foi assim descrito pela imprensa carioca da época, este encontro, o último efetuado em nosso campo de Voluntários, cujo contrato de arrendamento expirou logo após, não tendo sido renovado pelo proprietário: "Alcançou o mais brilhante sucesso o match que, em revanche, foi ontem jogado no campo do Botafogo, à rua Voluntários da Pátria, 459 para gaudio dos que pretendiam assistir a uma luta bonita e bem disputada, cousa que há muito tempo não tinhamos o prazer de registrar. Assim, deve-se aos dois poderosos rivais de ontem, toda a gratidão pela brilhante festa sportiva que logramos presenciar e, particularmente, às duas respectivas diretorias que, a despeito de uma guerra traiçoeira praticada no intuito de fazê-las recuar no seu grande desideratum, não se deixaram vencer por inimigos de fácil conquista. 

Parece, segundo contam os rapazes do Americano, que o derradeiro golpe fora lançado ontem contra o Botafogo pelo Sr. Luiz Fonseca, quando, à última hora, fora em pessoa à Estação da Luz, pedir que os rapazes não desrespeitassem uma sua ordem anterior. A todas as impetrações do presidente da Liga, antepôs o ilustre presidente sr. Henrique Vanorden, o sério compromisso que tinha assumido com a administração do Botafogo, e, portanto, não sabia transgredir na sua palavra, mesmo que fosse preciso a separação do seu clube da Liga Paulista. 

O jogo 

As 4 horas da tarde, mais ou menos, deram entrada no campo, já cercado por seleta assistência e sob urna prolongada salva de palmas, os dois teams rivais. Dirigia-os, o conhecido sportman Alberto Borgerth, ex-sócio do Fluminense F. C. Às 4,17 deu-se o kick-off, cabendo a saída ao Botafogo que, tentando um ataque cerrado, perdeu logo a bela, sendo rechassado pelo terrivel adversário. Essa revanchie, porém, não logrou também êxito: Dutra e Villaça vigilantes, apoderam-se da bola, restituindo-a aos forwards do seu clube. E neste vai e vem, ficou o jogo indeciso, ora tentando a bola para o Botafogo, ora para o Americano. Mas, de repente, Lulu, ontem encarregado de vigiar Décio, captain do team como era, resolve estimular a sua gente para o ataque e ele mesmo iniçia as investidas contra o goal do Americano, brilhantemente defendido por Hugo de Moraes. Foi uma bela ocasião. Os forwards do Botafogo investem de rijo; os halves do Americano, entre os quais se salientava Bertoni I., center, ofuscando os seus companheiros, notadamente seu irmão Bertoni II, repelem a linha que se prontificava a marcar o seu primeiro goal. Entretanto, os avantes do Botafogo persistem nas suas investidas e formidável ataque define-se; Hugo de Moraes fazia prodígios safando-se com habilidade do meio de 3 e 4 forwards que carregavam sobre ele. Neste half-time, defendeu ele 14 bolas, sendo todas elas, de shoots violentos e de boa direção. 

O jogo manteve-se equilibrado; não se podia dizer mesmo que este ou aquele team sobrepujava o adversário; mas houve ocasião perigosissima para o Americano, como a escapada de Pedro Paulo, o rush de Mario, o shoot violento de Lauro e diversos outros pequenos ataques da linha do Botafogo que pareciam terminar com a marcação de um goal para os fluminenses. Nesse primeiro half, a linha de halves do Botafogo jogou magistralmente e Lulú, nem um minuto siquer, deixou de vigiar o centro adversário. Edgard e Villaça, pelo Botafogo; Menezes e Itaborahy pelo Americano; confirmaram os seus fóros de jogadores de defesa, tendo nesta dificil missão, empregado ingentes esforços e atilada observação aos forwards que se•aproximavam do goal, às vezes. sem serem previstos. Pouco depois, às 4.55, terminava o 1º half-time com o resultado de 0 a 0. 

O 2º half-time foi mais movimentado. Tendo o Americano saido com alguma precipitação, perdeu a bola (5.10) Lulú apoderou-se dela e entrega a Lauro; Bartoni aproxima-se, auxilia o seu irmão consegue tirá-la dos pés de Lauro e, com grande shoot, impele-a para a frente. Eurico, por acaso completamente livre, alcança-a, shoota alto; Cesar, não contando que a bola pudesse atravessar a barra, não a defende. O shoot, porém, violento devido a pequena rajada de vento muda de direção e a bola intromete-se pelo goal, registrando-se o primeiro ponto dos Americanos. 

Voltando a bola ao centro, o Botafogo dá a saída, mas não consegue levar a bola adiante da linha dos halves inimigos. Os halves auxiliam a avançada do Americano e esta, tendo Décio à frente vai aos poucos conquistando o terreno conseguindo se aproximar do goal do Botafogo. Villaça defendendo uma bola, arremessa-a para a frente do goal; Décio a vanguarda da linha, defronte à barra do goal, aproveita-se da oportunidade feliz e vasa pela segunda vez o goal inimigo. 

O Botafogo, despertando à vista do ataque brusco que organizara o adversário, resolve atacar por sua vez e atira-se valentemente sôbre a defesa do Americano. Hugo de Moraes, entretanto, era prodigioso e extraordinário para deixar-se iludir facilmente. Inúteis foram todos os esforços, todas as charges, todos os expedientes que uma boa experiência lembre nessas emergências; ele, agil como um gato, desembaraçava-se galhardamente dos atacantes e arremessava para muito longe a bola cubiçada. O Americano continuava na ofensiva; os seus forwards não se descuidavam um instante siquer, embora a linha de halves do Botafogo estivesse sempre atenta. Um goal mais registrou-se nesse 2º half-time fechando assim, o score do clube vencedor e logo depois, um off-side desesperançava as muitas simpatias do club campeão do Rio de Janeiro, que já contavam com um ponto para o Botafogo. A imparcialidade, a competência de A. Borgerth, corretíssimo juiz, põe a coberto a sua resolução de qualquer analise que tentassemos fazer deste incidente. Como fato acidental ocorreu ainda a retirada de um jogador do Americano, o sr. José Pedro, ligeiramente incomoda-o, talvez devido ao calor de ontem. A solicitude com que foi socorrido pelos diretores do Botafogo, tornou-o completamente bem disposto. Não havendo mais nada de extraordinário a registrar, o jogo terminou com a vitória do Sport  Clube Americano por 3 goals a 0 do Botafogo, e na maior calma possível. Todos os jogadores portaram-se com galhardia: Eurico Mendes, fez-se notar pelo muito amor que tem ao corpo e Hugo de Moraes, pela incomparável ligeireza e segurança de defesa, várias vezes ontem empregadas. O goal-keeper do Botafogo, Cesar Gonçalves, em substituição a Baby, não desmentiu as suas qualidades já demonstradas em matchs do ano passado. Pedro Paulo, já conhecido do leitor, teve ocasião de se revelar excelente jogador de ataque.

 Os teams rivais 

Devidamente uniformizados, deram entrada no belo campo de lutas, os dois teams rivais do Botafogo e do Americano, às 4,17 da tarde, sob a direção de A. Borgerth. Todos os jogadores que se iam empenhar na magestosa luta, apresentavam-se bem dispostos e alegres. Cada um deles alimentando naturalmente as mais doces esperanças e prevendo para o seu querido clube os mais espressivos triunfos, não escondiam a infinita satisfação que lhe ia na alma, embora uma recôndita suspeita, um  muito justificado receio pudesse dar-lhe leve sombra de tristeza, ante o feito moral despertado pela presença do terrível e leal adversário. Mantendo a mesma cordialidade de sempre, os jogadores não escondiam o seu intenso júbilo, a sua imensa satisfação pelo ensejo de se encontrarem à frente de um confrade benquisto e de um amigo verdadeiro. Tinham talvez a conciência de que cediam a um impulso mais nobre e mais honroso do que aquele que nascera na alma deshumana do presidente da Liga Paulista, ao impedir essa fraternidade que ontem eles prazenteiramente celebraram. 

O Sport Clube Americano — Estava representado pela nata de seus jogadores, assim distribuídos em campo: Goal Hugo de Moraes. Backs: Itaborahy e Menezes. Halves  Bertone, Bertone II e Monte. Forwards — J. Pedro, Alencar, Décio, : Juvenal e Eurico. 

O Botafogo Foot-Ball Club puzera em campo também a fina flor de sua gente, conjunto harmonioso e homogêneo que não nos cansamos de admirar e aplaudir. Estavam assim dispostos: Goal Cesar Gonçalves. Backs: Villaça e Dutra. Halves Rolando, Lulu e Juca. Forwards Mário, Pedro Paulo Hasche, Mimi e Lauro. 

O team apresenta-se, assim desfalcado Emmanuel, Baby e Abelardo que não puderam por motivos diversos, tomar parte no grande match. Os seus substitos portaram-se corajosamente, merecendo os aplausos a que fizeram jus.

Os footballers paulistas — Todos éstes senhores vieram no mesmo carro, cercados de todo o conforto e foram recebidos na estação da Estrada de Ferro, pelos Srs. Alfredo Chaves, presidente do Botafogo F. C.; Pedro Rocha, diretor de sports; Fernando Alexander, Eduardo Alexander, Gentil do Rego Monteiro, Anselmo Mascarenhas, Augusto Fontenelle e José Dolabella. Em seguida vieram em bondes especiais para o Hotel Metrópole onde repousaram até 11, 30, hora em que foi servido lauto almoço, tendo reinado em tôdas estas ocasiões a mais efusiante alegria. Logo depois sairam a passeio sendo acompanhados pelos cortezes e delicados sócios do Club Campeão do Rio, enquanto aguardavam a hora em que, se dirigiram para o campo do Largo dos Leões, local em que se realizou o emocionante match. A noite, foi servido um farto jantar, sendo saudado por um diretor do Botafogo, o club vencedor. Os footballers paulistas voltam hoje pelo noturno de 6 horas da tarde. Não podemos terminar a nossa noticia sem consignar os nossos agradecimentos pela maneira cavalheiresca com que fomos tratados pela fidalga diretoria do Botafogo F, C., assim como não podemos também deixar desapercebido o serviço correto de policiamento das arquibancadas feito por uma comissão do clube". 

Notas - Como se vê da descrição, o valoroso S. C. Americano enfrentou tôdas as proibições da Liga Paulista para vir jogar com o Botafogo, o que confirma o que anteriormente relatáramos prova magnifica de apoio e de solidariedade ao nosso clube, então desligado da Metropolitana. 

O 3º goal do Americano foi marcado pelo grande back Itaborahy, em um corner çontra o Botafogo. Aberto Borgerth arbitrou o jogo. A noticia transcrita indica-o como "ex-sócio do Fluminense" e o "Jornal do Comércio", como pertencendo ao C. R. Flamengo. Significa isso que acabára de se dar a cisão no Fluminense que redundou na criação da seção terrestre do Flamengo, outro fato importantíssimo, no agitado ano de 1911.  "Jornal do Comércio", assim comentou a atuação do nosso quadro:-- "Seus jogadores ressentiam-se da falta de training e a defesa, em geral mal colocada, atacava mais do que os forwards, dando assim ocasião ao adversário para organizar diversas investidas, que não deram melhores resultados devido, talvez, falta de calma. No 2º half-time, da defesa só J. Couto não shootou a goal. Villaça mais parecia um forward, do qui um full-back". A Diretoria de 1941, que retirou o club da Liga, era a seguinte: Presidente -- Alberto Cruz Santos; 1º Vice -- Alfredo Chaves; 2º Vice Comandante Herman Palmeira; Secretário — Augusto Paranhos Fontenelle; Tesoureiro - Miguel Raphael de Pino; Diretor de Sports Pedro Rocha; Comissão de Foot-Ball - Rolando Delamare (cap.), Luiz Rocha, Anselmo Mascarenhas e Comandante Raul Tavares. 

O centro médio J. C. Bertone, que foiu um dos maiores cracks da primeira fase do futebol uruguaio em cujo scratch figurou, de 1906 a 11, perto de 30 vezes radicou-se entre nós e, em 1918, jogador do São Bento, ainda figurava no scratch paulista. Terminou sua carreira como eficiente técnico, tendo sido o primeiro treinador profissional do Botafogo, durante duas temporadas: 1923 e 24, quando nosso diretor de futebol era o grande Lulu Rocha, seu adversário no encontro cuja descrição transcrevemos. 

                                                        Alceu Mendes de Oliveira Castro. 

Acervo particular Alceu Oliveira Castro Jungsted

Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 88 de janeiro de 1950



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