Seguidores google+

quinta-feira, 12 de março de 2020

GALERIA DE HONRA LETRA Q

 QUARENTINHA 

R10 (De Sandro Moreira — Via Meridional) 

Se o time do Botafogo não tivesse se arrebentado todo no segundo turno do campeonato, as preferências dos críticos para a escolha do “craque do ano" teriam recaído sôbre o seu meia esquerda Quarentinha. Porque até começar a surpreendente queda da equipe alvi-negra, não havia outro jogador que mais se destacasse, 1959 foi, de qualquer forma, o ano de Quarentinha. O ano que deu ao atacante do Botafogo a chance que êle soube aproveitar muito bem, de se projetar como craque da seleção nacional. 

Artilheiro da excursão do Botafogo à Europa, quando conquistou mais da metade dos goals alvi-negros, artilheiro fácil do campeonato carioca, Quarentinha estreou na seleção, no posto que era de Vavá e que Paulinho e Henrique não conseguiram manter. Mostrou as suas excelentes qualidades de artilheiro, marcando dois goals contra os chilenos no jôgo inicial da Taça O'Higgins e decidindo a segunda partida, jogada no Pacaembu ao vencer com um tiro de fora da área o arco chileno no tento único dos nossos. 

Quarentinha atuou ainda pela seleção carioca contra o River Plate de Buenos Aires e participou do placar com dois grandes tentos. 

Teve, como se vê, um ano de vitórias, projetando-se definitivamente como um autêntico valor do futebol brasileiro. 

LUTOU MUITO 

Mas não foi nada fácil a caminhada de Quarentinha rumo ao sucesso. Muito lutou o artilheiro alvinegro contra a incompreensão dos torcedores de seu próprio clube.

Waldir Lebrego, o nosso Quarentinha, veio para o Botafogo em 1954. Trazia um cartaz de sensação dos gramados do Norte, onde seus dribles e suas "bombas" de pé esquerdo eram respeitados. No Pará, sua terra natal, quase fizera o povo esquecer o seu pai, o velho Quarenta, que fora ídolo da torcida paraense. Cheio de prestígio ganhou um ótimo contrato na Bahia e foi lá que o Botafogo o encontrou, fazendo goals. Na época o que mais faltava aos alvinegros era justamente um artilheiro e a notícia de que Quarentinha não era de muita conversa numa área animou bastante a torcida do Botafogo. Quarentinha chegou, assim, como uma solução para os problemas do time. Foi sua desgraça. Infelizmente, os males eram bem maiores do que a simples falta de um atacante de goal. E Quarentinha, evidentemente, não poderia resolvê-los sózinho. O quadro não melhorou e quem pagou foi êle. 

De meia-esquerda que era meia de jogar na frente junto à área do adversário, fizeram com que jogasse no meio do campo e depois na extrema. Não acertou e acabou desanimando, achando que seu futebol era pequeno ainda para um centro como a capital. Se não tivesse um contrato a cumprir teria ido embora no dia em que foi vaiado pela sua própria torcida. Em princípio de 1956 sofreu a decepção de ser emprestado a outro clube. O golpe, no entanto foi decisivo para a carreira de Quarentinha. Despertou o seu amor próprio e êle ao entrar no Bonsucesso jurou que no fim do em préstimo haveria de voltar o Botafogo de cabeça erguida, para ser titular absoluto do time que o rejeitara. 

VOLTOU PARA SER CAMPEÃO 

Ferido em seus brios, Quarentinha foi naquele ano a grande figura do Bonsucesso e, apesar de jogar em uma equipe modesta, classificou-se como o segundo artilheiro do campeonato. No fim do ano o Botafogo exigiu-o de volta e tal como ele previra, para titular de sua ofensiva.  No campeonato de 57, Quarentinha brilhou intensamente fez as pazes com a torcida alvi-negra e teve a glória de se sagrar campeão carioca. Era o começo da fase vitoriosa de sua carreira. Dono de posição no seu time, tendo conquistado a confiança em si próprio, foi fácil a Quarentinha voltar á ser aquele atacante perigoso aquele artilheiro temível que fizera furor em campo do Norte. 

A sua ascensão foi rápida. 

No ano que passou, teve a consagração definitiva. Agora não há quem ponha em dúvida a sua alta categoria de craque de classe. No Botafogo, na seleção carioca e na seleção brasileira provou que pode ser incluido entre os melhores atacantes do futebol nacional. 

ESTREIA INTERNACIONAL 

Vale recordar nesta reportagem, em que se procura fazer justiça a um craque que muito lutou para triunfar a estréia de Quarentinha na seleção brasileira. O quadro da CBD vinha lutando com a falta de um comandante de ataque que pudesse trabalhar com Pelé na área. No Sul-Americano de, Buenos Aires, Feola tentara Almir e Henrique sem êxito. Quem melhor se conduzira fôra Paulinho companheiro de Quarentinha no Botafogo. Mas, Paulinho não estava bem quando, em setembro do ano passado, o Brasil foi, jogar contra o Chile. Bem estava Quarentinha que teve assim, a chance que há tanto esperava. Depois das duas partidas, no Maracanã e no Pacaembú, Feola diria que finalmente encontrara o substituto para Vavá no ataque brasileiro. Porque na verdade, não poderia ter sido melhor a estréia de Quarentinha com a camisa do selecionado campeão do mundo. Aa lado do fabuloso Pelé foi a máxima figura do time nacional. Aqui no Rio, na primeira partida, os dois tomaram conta do campo, combinando como se fossem veteranos companheiros de time, Quarentinha colaborou com dois goals para a grande vitória daquela partida um deles todo de opção pessoal driblando até o goleiro. Mas foi em São Paulo no segundo encontro, que mereceu o elogio unânime de maior figura do campo. Os chilenos que tinham perdido feio no Rio, foram a campo com a preocupação única de evitar uma nova goleada. Concentraram o seu time na defesa e durante todo o primeiro tempo e grande parte do segundo foi inútil o assédio do ataque brasileiro. A resistência acabou sendo quebrada por Quarentinha, num lance muito seu, driblando e arrematando com a violência e a pontaria de sua perna esquerda: Foi o goal da vitória do Brasil e o goal que consagrou definitivamente Quarentinha, garantindo o seu lugar na seleção brasileira. 

Com vinte e seis anos, Quarentinha tem muito futebol ainda pela frente. Jogador de vida regrada, devotado exclusivamente à sua família e a sua profissão, e um dos que tem o direito de sonhar com um título de campeão do mundo nu próximo certame de 1962. A continuar jogando como está — e isto parece certo — não há dúvida de que terá seu nome na relação dos que serão chamados para tentar o bi-campeonato mundial para o futebol. 

GOALS DE ARTILHEIRO 

A história de um artilheiro não poderia terminar sem que se contasse seus melhores goals. Quarentinha não sabe quantos já fêz nos seus oito anos de jogador de primeiro time. Não tem mesmo a conta dos que marcou a favor do Botafogo, em amistosos dentro e fora do Brasil. Sabe apenas os que fêz nos seis campeonatos que disputou no Rio, cinco pelo Botafogo e um pelo Bonsucesso — somam a cento e cinco. O recorde foi no ano passado, com vinte e cinco gols no campeonato e mais três nas duas partidas de desempate com o Bangú. 

De todos os seus tentos, guarda a lembrança de alguns. Um deles marcado em Viena, jogando contra a Áustria, em lance de arrancada fulminante, depois de driblar quatro adversários. Outro também em partida internacional do Botafogo foi conquistado contra a seleção dinamarquesa e valeu a Quarentinha uma ovação de todo o estádio. Quando jogava no Bonsucesso, o artilheiro marcou um tento contra o Fluminense, um goal em Castilho, que também ficou entre os inesquecíveis. Aquele de que já falamos, contra os chilenos e que valeu a vitória brasileira, é outro sempre lembrado por Quarentinha. Dos que marcou no campeonato passado em que foi goleador máximo da cidade. Quarentinha recorda o que fêz contra o Olaria, no primeiro turno, batendo quase toda a defesa bariri lembra do que assinalou contra o América dando dois cortes seguidos em Lúcio e fulminando Ari com um arremate de baixo para cima; os quatro que marcou na partida contra o Madureira o que fêz no jôgo em que o Botafogo derrotou o Vasco, por um a zero e o segundo gol contra o Fluminense, no returno num tiro tão violento que Castilho nem se mexeu. Estes os grandes goals do artilheiro do Botafogo, desse Quarentinha que veio há seis anos para o Rio que conheceu uma fase de injustiças, e desilusões, que chegou a se julgar um fracassado mas que soube reagir em tempo e encontrar o caminho do sucesso convencendo a crítica e torcedores do alto gabarito de seu futebol. 

(Diário de Noticias — Cidade do Salvador Bahia — 19 - Janeiro - 1960) 

Acervo particular Alceu Oliveira Castro Junbgsted

Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 160 de março de 1960

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

O FRIO ARTILHEIRO QUE AQUECIA CORAÇÕES

Por Ricardo Linhares 

QUARENTINHA 

Para Quarentinha fazer gols era apenas uma obrigação, o motivo pelo qual recebia seu salário todo o fim de mês. Dessa forma, não comemorava seus tentos, apenas baixava a cabeça e retornava ao meio de campo, normalmente agarrado e abraçado efusivamente por seus companheiros, à espera da autorização do árbitro para que pudesse novamente cumprir com seu dever: estufar novamente as redes adversárias. Essa incomum e espetacular tranquilidade era sua principal característica, o sangue-frio do puro matador, utilizada inúmeras vezes, quase infalivelmente, para definir a jogada dentro da área. E a torcida alvinegra se acostumou a tê-lo como ídolo, um artilheiro diferente, o maior da história do clube, alguém que com uma gélida e inegável competência sabia, como poucos, aquecer seus corações sedentos de alegria.

Waldir Cardoso Lebrego, o temido e implacável Quarentinha, chegou ao BOTAFOGO em 1954, então com 21 anos, trazendo do Nordeste a fama de notável artilheiro. Dois anos antes, havia iniciado sua carreira em Belém, sua cidade natal, jogando pelo Paysandu. De lá partiu para o Vitória-BA, onde se sagrou campeão e artilheiro absoluto do campeonato baiano de 1953, com 31 gols. Daí, finalmente veio para General Severiano onde, porém, não conseguiu, a princípio, confirmar sua vocação de goleador. 

Alguns fatores determinaram este atraso na afirmação do jogador. O então técnico do BOTAFOGO, o lendário Gentil Cardoso, apesar de ter aprovado seu futebol, tinha dentro das fileiras do elenco duas outras opções nada desprezíveis para a posição de atacante: Dino da Costa, um ex-juvenil que há muito demonstrava sua vocação para o gol; e Vinícius, um mineiro que, logo ao chegar, recebeu da torcida o apelido de "Leão", por causa da raça e disposição com as quais disputava as jogadas. 

Apesar dos três possuírem características similares, Gentil conseguiu encaixá-los num sensacional mesmo ataque: Garrincha, Dino, Vinícius e Quarentinha. Porém, não deu certo, e talvez exatamente por causa dos dois outros fatores responsáveis pela demora da afirmação de Quarentinha. Primeiro: o clube não era campeão há seis anos, e a diretoria, sedenta de resultados, achou que a excessiva juventude do time, mesmo mesclada aos experientes Geninho e Nílton Santos, atrapalhava, e encontrou a solução trazendo o veteraníssimo artilheiro Carlyle, do Fluminense, para comandar o ataque. Sobrou para Quarentinha. Segundo: o estilo frio do artilheiro ajudou a criar a imagem de jogador acomodado, displicente, que não unia forças para deixar a reserva, o que se juntou, ainda, a um pouco de irresponsabilidade por parte do próprio jogador, que sempre foi chegado à noite e às farras. Dessa forma, nem mesmo com a venda de Dino e Vinícius para a Itália, Quarentinha recuperaria a posição de titular, acabando por parar, por empréstimo, no pequeno Bonsucesso, onde o exigente e duro treinador Zezé Moreira saberia colocá-lo nos eixos. 

O tiro literalmente saiu pela culatra. Em 1956, o Botafogo adotara a política do Supertime, trouxera Didi, do Fluminense, mas terminara o campeonato num decepcionante terceiro lugar, ao lado do Flamengo, e atrás do campeão Vasco e do Fluminense. A equipe, sem dúvida, se ressentia da falta de um goleador, tanto que o próprio Didi (que não era propriamente um artilheiro) foi quem mais balançou as redes pelo BOTAFOGO na competição, com expressivos 16 tentos. Seis a menos do que o artilheiro máximo Valdo, do Fluminense, e a cinco de um surpreendente jogador de um modesto time da cidade, o Bonsucesso - adivinha quem?! -: Quarentinha. Se não bastasse, ele foi o autor do gol da vitória, o único da partida, de seu então time contra o poderoso alvinegro. Era, sem dúvida, a hora de regressar a General Severiano. Já em 1957, tornava-se titular absoluto e campeão carioca pelo BOTAFOGO. Ainda jogando fora de sua real posição (foi deslocado para a ponta-esquerda), e talvez por isso, seus gols não seriam suficientes para alçá-lo à artilharia máxima daquele ano, que ficaria com Paulo Valentim, do próprio clube alvinegro, com 22 tentos, cinco deles feitos na inesquecível final com o Fluminense. Mas, a partir do ano seguinte, ninguém mais o seguraria: foram 20 gols, em 1958, 25, em 59 e outros 25, em 60 que o tornaram por três vezes consecutivas o goleador máximo do Rio de Janeiro, assegurando de vez, sua condição de ídolo da torcida. 

Tantos gols lhe garantiram, também, a convocação para a Seleção Brasileira, onde estreou em 1959, fazendo dois dos sete tentos que garantiram a vitória sobre o Chile por 7x0, jogo válido pela Taça Bernardo O'Higgins. Novas convocações e Quarentinha foi afirmando sua condição de artilheiro também pelo time canarinho. Mas uma operação nos meniscos em 1961, por contusão gerada numa excursão da própria seleção no ano anterior, frustrou suas chances de ir à Copa do Mundo de 1962, quando o Brasil se sagraria bicampeão. Voltou a jogar por seu país em 1963, e sua última partida com a camisa canarinho foi num amistoso contra a Alemanha, em Berlim, no qual colaboraria com um gol na vitória por 3x0. Depois dessa partida, a Seleção Brasileira principal ficaria mais de um ano sem jogar e, quando retornou aos campos, não mais utilizaria Quarentinha, que já planejava seu fim de carreira. Mas sua média de gols pelo selecionado brasileiro não nega sua impressionante eficiência. Foram dezessete gols em dezessete partidas,  média de um por jogo, que, no caso da seleção principal, somente se compara a de Leônidas, que fizera anteriormente 37 tentos em 37 pelejas. 

Quarentinha continuaria a ser artilheiro máximo do BOTAFOGO (mas não da competição) por mais três anos consecutivos nos Campeonatos Cariocas de 1962, 63 e 64 (ficara de fora do de 61 por causa da citada contusão), com 17, 11 e 15 gols respectivamente. Em 1965, deixaria General Severiano, sendo boa parte dos últimos tentos feitos aproveitando os geniais passes de Gérson. No total, foram 308 bolas deixadas nas redes adversárias, feito até hoje insuperável na história do clube alvinegro. 

E assim Waldir Lebrego, o Quarentinha - apelido que recebeu por causa de seu pai, que era conhecido, em Belém, pelo número 40 que havia recebido no colégio interno no qual estudara - conquistou seu espaço na galeria de ídolos e heróis alvinegros. Sua simplicidade e eficiência jamais serão esquecidas pela torcida do BOTAFOGO. Sua morte, no início deste ano, não apagou a imagem que mais marcou todos os anos de sua memorável carreira. A eterna lembrança de um jogador que ao estufar as redes do adversário, no exato momento mais mágico do futebol, o gol, retornava ao seu campo com a mesma indiferença que os outros tinham quando os perdiam. Algo realmente inimaginável, tão impossível de ser esquecido quanto compreendido. 

Acervo particular Angelo Antonio Seraphini

Fonte: Revista Oficial do BFR nº 250 de 1996

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-


Nenhum comentário:

Postar um comentário