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quinta-feira, 12 de março de 2020

GALERIA DE HONRA LETRA Q

 O FRIO ARTILHEIRO QUE AQUECIA CORAÇÕES

Por Ricardo Linhares 

QUARENTINHA 

Para Quarentinha fazer gols era apenas uma obrigação, o motivo pelo qual recebia seu salário todo o fim de mês. Dessa forma, não comemorava seus tentos, apenas baixava a cabeça e retornava ao meio de campo, normalmente agarrado e abraçado efusivamente por seus companheiros, à espera da autorização do árbitro para que pudesse novamente cumprir com seu dever: estufar novamente as redes adversárias. Essa incomum e espetacular tranquilidade era sua principal característica, o sangue-frio do puro matador, utilizada inúmeras vezes, quase infalivelmente, para definir a jogada dentro da área. E a torcida alvinegra se acostumou a tê-lo como ídolo, um artilheiro diferente, o maior da história do clube, alguém que com uma gélida e inegável competência sabia, como poucos, aquecer seus corações sedentos de alegria.

Waldir Cardoso Lebrego, o temido e implacável Quarentinha, chegou ao BOTAFOGO em 1954, então com 21 anos, trazendo do Nordeste a fama de notável artilheiro. Dois anos antes, havia iniciado sua carreira em Belém, sua cidade natal, jogando pelo Paysandu. De lá partiu para o Vitória-BA, onde se sagrou campeão e artilheiro absoluto do campeonato baiano de 1953, com 31 gols. Daí, finalmente veio para General Severiano onde, porém, não conseguiu, a princípio, confirmar sua vocação de goleador. 

Alguns fatores determinaram este atraso na afirmação do jogador. O então técnico do BOTAFOGO, o lendário Gentil Cardoso, apesar de ter aprovado seu futebol, tinha dentro das fileiras do elenco duas outras opções nada desprezíveis para a posição de atacante: Dino da Costa, um ex-juvenil que há muito demonstrava sua vocação para o gol; e Vinícius, um mineiro que, logo ao chegar, recebeu da torcida o apelido de "Leão", por causa da raça e disposição com as quais disputava as jogadas. 

Apesar dos três possuírem características similares, Gentil conseguiu encaixá-los num sensacional mesmo ataque: Garrincha, Dino, Vinícius e Quarentinha. Porém, não deu certo, e talvez exatamente por causa dos dois outros fatores responsáveis pela demora da afirmação de Quarentinha. Primeiro: o clube não era campeão há seis anos, e a diretoria, sedenta de resultados, achou que a excessiva juventude do time, mesmo mesclada aos experientes Geninho e Nílton Santos, atrapalhava, e encontrou a solução trazendo o veteraníssimo artilheiro Carlyle, do Fluminense, para comandar o ataque. Sobrou para Quarentinha. Segundo: o estilo frio do artilheiro ajudou a criar a imagem de jogador acomodado, displicente, que não unia forças para deixar a reserva, o que se juntou, ainda, a um pouco de irresponsabilidade por parte do próprio jogador, que sempre foi chegado à noite e às farras. Dessa forma, nem mesmo com a venda de Dino e Vinícius para a Itália, Quarentinha recuperaria a posição de titular, acabando por parar, por empréstimo, no pequeno Bonsucesso, onde o exigente e duro treinador Zezé Moreira saberia colocá-lo nos eixos. 

O tiro literalmente saiu pela culatra. Em 1956, o Botafogo adotara a política do Supertime, trouxera Didi, do Fluminense, mas terminara o campeonato num decepcionante terceiro lugar, ao lado do Flamengo, e atrás do campeão Vasco e do Fluminense. A equipe, sem dúvida, se ressentia da falta de um goleador, tanto que o próprio Didi (que não era propriamente um artilheiro) foi quem mais balançou as redes pelo BOTAFOGO na competição, com expressivos 16 tentos. Seis a menos do que o artilheiro máximo Valdo, do Fluminense, e a cinco de um surpreendente jogador de um modesto time da cidade, o Bonsucesso - adivinha quem?! -: Quarentinha. Se não bastasse, ele foi o autor do gol da vitória, o único da partida, de seu então time contra o poderoso alvinegro. Era, sem dúvida, a hora de regressar a General Severiano. Já em 1957, tornava-se titular absoluto e campeão carioca pelo BOTAFOGO. Ainda jogando fora de sua real posição (foi deslocado para a ponta-esquerda), e talvez por isso, seus gols não seriam suficientes para alçá-lo à artilharia máxima daquele ano, que ficaria com Paulo Valentim, do próprio clube alvinegro, com 22 tentos, cinco deles feitos na inesquecível final com o Fluminense. Mas, a partir do ano seguinte, ninguém mais o seguraria: foram 20 gols, em 1958, 25, em 59 e outros 25, em 60 que o tornaram por três vezes consecutivas o goleador máximo do Rio de Janeiro, assegurando de vez, sua condição de ídolo da torcida. 

Tantos gols lhe garantiram, também, a convocação para a Seleção Brasileira, onde estreou em 1959, fazendo dois dos sete tentos que garantiram a vitória sobre o Chile por 7x0, jogo válido pela Taça Bernardo O'Higgins. Novas convocações e Quarentinha foi afirmando sua condição de artilheiro também pelo time canarinho. Mas uma operação nos meniscos em 1961, por contusão gerada numa excursão da própria seleção no ano anterior, frustrou suas chances de ir à Copa do Mundo de 1962, quando o Brasil se sagraria bicampeão. Voltou a jogar por seu país em 1963, e sua última partida com a camisa canarinho foi num amistoso contra a Alemanha, em Berlim, no qual colaboraria com um gol na vitória por 3x0. Depois dessa partida, a Seleção Brasileira principal ficaria mais de um ano sem jogar e, quando retornou aos campos, não mais utilizaria Quarentinha, que já planejava seu fim de carreira. Mas sua média de gols pelo selecionado brasileiro não nega sua impressionante eficiência. Foram dezessete gols em dezessete partidas,  média de um por jogo, que, no caso da seleção principal, somente se compara a de Leônidas, que fizera anteriormente 37 tentos em 37 pelejas. 

Quarentinha continuaria a ser artilheiro máximo do BOTAFOGO (mas não da competição) por mais três anos consecutivos nos Campeonatos Cariocas de 1962, 63 e 64 (ficara de fora do de 61 por causa da citada contusão), com 17, 11 e 15 gols respectivamente. Em 1965, deixaria General Severiano, sendo boa parte dos últimos tentos feitos aproveitando os geniais passes de Gérson. No total, foram 308 bolas deixadas nas redes adversárias, feito até hoje insuperável na história do clube alvinegro. 

E assim Waldir Lebrego, o Quarentinha - apelido que recebeu por causa de seu pai, que era conhecido, em Belém, pelo número 40 que havia recebido no colégio interno no qual estudara - conquistou seu espaço na galeria de ídolos e heróis alvinegros. Sua simplicidade e eficiência jamais serão esquecidas pela torcida do BOTAFOGO. Sua morte, no início deste ano, não apagou a imagem que mais marcou todos os anos de sua memorável carreira. A eterna lembrança de um jogador que ao estufar as redes do adversário, no exato momento mais mágico do futebol, o gol, retornava ao seu campo com a mesma indiferença que os outros tinham quando os perdiam. Algo realmente inimaginável, tão impossível de ser esquecido quanto compreendido. 

Acervo particular Angelo Antonio Seraphini

Fonte: Revista Oficial do BFR nº 250 de 1996

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