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quinta-feira, 12 de março de 2020

GALERIA DE HONRA LETRA H

OS GOALS DE HELENO  
Se consultarmos o excelente histórico do Botafogo, de autoria de Alceu Mendes de Oliveira Castro, encontraremos entre os melhores artilheiros, que teve O Botafogo, em sua vida; CarvalhO Leite, com 168 goals, em 193 jogos. Vem a seguir Nilo, com 135, mas nesse total estão incluidos os dois anos que Nilo defendeu o Fluminense, no campeonato máximo carioca. A seguir vem Heleno com 125 goals: Se tirarmos a média levando-se em conta os anos que estes 3 famosos craks jogaram na primeira divisão, a média de Heleno é melhor, aliás da própria média de Valfare fabuloso artilheiro do Fluminense, que marcou 137 goals em 11 anos de atuação, seguindo-lhe o meia-esquerda Prego, com 100 goals. Heleno, como é sabido, estreou no primeiro quadro do Botafogo em 1940 e ficou até 1947.
Portanto, apenas sete anos, enquanto que Nilo se não nos enganamos, jogou durante 15 anos e Carvalho Leite uns doze. São dados esses que repetimos sômente podem ser conhecidos através dos livros da história do Botafogo e do Fluminense, (este último da autoria de Paulo Coelho Neto). Como poderíamos saber, fora da seleção do Brasil e carioca, os goals marcados por Ademir, o outro fabuloso artilheiro que já pertence ao passado, se não existe o livro da história do Vasco, clube o qual o "Diabo Azul" marcou quase todos os goals de sua fabulosa carreira? E quem foi o maior artilheiro de todos os tempos do Flamengo ou do América se igualmente não existe um trabalho de fôlego igual aos citados, do Botafogo e do Fluminense? Alguns clubes, raros, apenas têm o registro de suas partidas arquivadas em sua sede, escondidos.. . Porque acham que não interessa a publicação de sua história. E outros clubes, caso muito pior, não têm nada, inclusive conhecemos alguns que se entrarmos em sua Secretaria de surpresa e perguntarmos em quais anos o clube foi campeão carioca ou paulista, gaúcho, etc. não saberiam dizer!
A própria CBD já deveria ter a sua história impressa como País Campeão do Mundo. Quantas partidas já disputou a seleção brasileira? Quantas venceu? Eis uma pergunta que talvez possa ser respondida após muitas buscas no arquivo da entidade máxima. 
Não existe uma obra ainda descrevendo a trajetória da seleção oficial do Brasil através seus quarenta e cinco anos de existência. Mas tambem onde encontrar um Alceu Mendes de Oliveira Castro e dedicação para escrever uma obra para perder tanto tempo em pesquisas, tanta paciência, tanta organização igual àquela da história do Botafogo?!! "Jornal dos Sports" — 22-11-59 

Acervo particular Alceu de Oliveira Castro Jungsted
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 158 de janeiro de 1960
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Hoje, quase 38 anos após sua morte, Heleno de Freitas continua sendo o personagem mais polêmico da história do futebol brasileiro. Para muitos, apenas um homem incompreendido. Para outros, um sujeito intratável, dentro e fora do campo.
Heleno jogou pela última vez como profissional na tarde de 4 de novembro de 1951. Durante estes 46 anos, e principalmente após seu desaparecimento, em 1959, muita gente, até quem jamais teve qualquer contato com o craque, se apressou em dar depoimento sobre sua existência, lançando a eternidade fatos que nem sempre aconteceram.
Pela circunstância trágica que determinou seu fim, Heleno, mais que qualquer outro personagem, foi, antes de tudo, a maior vítima das muitas e pitorescas fantasias criadas em torno do futebol. Foi vítima, também, do atraso e da ignorância de sua época. Pois sabe- se hoje que, se a moléstia que o conduziu a morte fosse tratada desde o início, teria sido possível impedir sua evolução.
A própria família do craque só admitiu que ele apresentava desequilíbrio mental após o célebre 4 de novembro de 1951, quando estreou e fez sua última partida pelo América, no Maracanã. Antes disso, e todos os seus contemporâneos são unânimes em sustentar, nenhum médico, ou dirigente, se interessou em procurar saber os motivos pelos quais Heleno demonstrava sempre um comportamento distinto.
Jornais e revistas da semana do jogo - o América perdeu de 3 a 1 do São Cristóvão - são o melhor exemplo de que o atacante era visto  apenas  como  “um desajustado”. Comentários da partida referem-se a um Heleno “como sempre desrespeitador, arrogante e de atitudes irrefletidas”.
Ninguém teve a sensibilidade de questionar se o jogador já sofria, aquela altura, de algum distúrbio grave.
O primeiro a se convencer de que Heleno parecia de tratamento foi seu irmão Rômulo, que estava no Maracanã, e que achou seu comportamento “esquisito”. Afinal, em determinado momento, o craque chegou a parar no meio do campo e a cruzar os braços, limitando-se a olhar o jogo. Também foi expulso, após xingar o juiz Alberto da Gama Malcher.
Ao chegar em casa, Rômulo sugeriu ã mãe, Dona Maria Rita, que Heleno deveria submeter-se a uma terapia. Ele foi internado em clinica psiquiátrica da Tijuca, mas o tratamento aplicado, a base de eletrochoques e de injeções de cardiasol, acabaram determinando sua saída do lugar. Heleno permaneceu alguns meses na casa da mãe, passou uma temporada com a irmã Marina, em Juiz de Fora, e outra com o irmão Heraldo, em São João Nepomuceno.
Já apresentava, então, alguns dos sintomas da paralisia geral progressiva, como fome descomunal e delírios de grandeza. Mas a causa da doença, uma sífilis cerebral, só foi revelada em um exame realizado na Casa de Saúde Santa Clara, de Belo Horizonte, no dia 13 de outubro de 1954. Passou, então, um período na Casa de Saúde Esperança, em Matias Barbosa (também no interior de Minas), onde os médicos tentaram curá-lo através da malarioterapia, tratamento através do qual se induzia o paciente a contrair malária, na esperança de que a febre alta provocada pela peste pudesse matar o vírus da sífilis.
Inutil. Quando foi internado na Casa de Saúde São Sebastião, em Barbacena, 67 dias mais tarde, o quadro de Heleno já era irreversível, a PGP, designação cienófica da moléstia_ estava em seu último estágio. Trata-se de fantasia a história de que o ex-jogador organizou um campeonato de pelada no sanatório. Mas é verdade que o mundo do futebol, que tanto lhe cortejara, relegou-o ao quase completo abandono, após sua internação. Entre 19 de dezembro de 1954 e 8 de novembro de 1959, quando morreu, aos 39 anos de idade, a única visita que recebeu de gente da bola aconteceu em 14 de outubro de 1956. O time do Botafogo goleou o Olimpic local por 5 a 1, e a delegação fez-lhe uma visita.

O time do Botafogo em 1947, último ano de Heleno no clube: Milton, Gérson, Ávila, Ari, Sarno e Juvenal (de pé); Santo Cristo, Geninho, Heleno e seus cabelos engomados, Otávio de Moraes e Teixeirinha
Heleno nasceu em São João Nepomuceno, em 20 de fevereiro de 1920. Após a morte do pai,  Oscar de Freitas, próspero comerciante de café da cidade, sua mãe resolveu trazer a família para o Rio. Heleno tinha 13 anos de idade quando foi morar em Copacabana, próximo ao Posto 6. Logo estava brilhando nas peladas da areia. Aos 14 anos, indicado por Neném Prancha, seu treinador no futebol de praia, passou a jogar como zagueiro nas divisões de base do Botafogo. Em 1936, o alvinegro desativou seu departamento juvenil, e Heleno foi jogar no Fluminense. Nas Laranjeiras, trocou de posição, por sugestão do técnico uruguaio Carlos Carlomagno, que vira, naquela promessa de craque, todas as qualidades de um autêntico centroavante.
 Mas Heleno desentendeu-se com Carlomagno, e voltou ao Botafogo. Em 21 de dezembro de 1939, fez sua estréia pelo time de profissionais alvinegro. A derrota de 5 a 1 para o San Lorenzo (Argentina) não foi capaz de abalar o prestígio que começava a desfrutar. No Campeonato Carioca de 1940, substituiu definitivamente o ídolo Carvalho Leite, titular desde 1930.
Mesmo jovem, buscando afirmação, já mostrava que seria um jogador difícil de ser controlado. É digno de registro seu comportamento na derrota de 3 a 1 para o Fluminense, em 3 de dezembro de 1940, quando pisou propositadamente no meia tricolor Bioró (Arthur Evaristo), e acabou sendo expulso de campo pelo juiz Mário Vianna.
Heleno jogou na equipe principal do Botafogo entre 1939 e 1947. Foi artilheiro do Campeonato Carioca de 1942, com 28 gols, e chegou à Seleção Brasileira com a camisa alvinegra, em 1944. É o quarto artilheiro da história do clube, com 233 gols, atrás de Quarentinha (308), Carvalho Leite (274) e Garrincha (245). Mas nunca conseguiu ser campeão pelo alvinegro. Em fevereiro de 1948, logo após o Carnaval, o presidente Carlito Rocha contratou o veterano Sílvio Pirilo “para fazer sombra a Heleno”. O jogador, aborrecido, preferiu deixar o Botafogo, seduzido, também, por uma proposta do Boca Juniors, da Argentina. Curiosamente, o Botafogo, sem sua maior estrela, ganhou o Campeonato Carioca de 1948, após 12 anos de jejum.
Acima um doo dois gols de Heleno na estréia pelo Boca, com a vitória de 3 a 0 sobre o Banfield


Heleno chegou à Argentina em um período tumultuado. Sua permanência por lá ocorreu durante a greve deflagrada pelos jogadores de futebol profissional, cujos detalhes estão explicados em outro texto deste fascículo.
O Boca Juniors, clube mais popular do país, pagou uma fortuna por seu passe. Para que se tenha uma ideia, o valor da transação superou a quantia gasta pelo Racing Avellaneda para contratar seis jogadores: o goleiro Antonio Rodriguez (Lanús), o zagueiro Higinio Garcia (Atlanta) e os atacantes Jaun Carlos Salvini, Norberto Mendez e Llamil Simes (todos do Estudiantes La Plata).
Heleno, no entanto, não foi bem no futebol argentino. Desentendeu-se com os atacantes Mario Boyé e Gomez Sanchez, ídolos da torcida, e decidiu voltar ao Brasil, em meados de 1949. O Independiente de Vicente de La Matta e de Juan Ferreyra foi campeão em 1948, e o Racing, com todos os seus craques, em 1949.
Jogo contra o América, pelo Campeonato Carioca de 1949
O Vasco tinha o melhor time do Brasil, em 1949. Tanto que conquistou o Campeonato Carioca com sete pontos de vantagem sobre o vice, o Fluminense.
Foi o terceiro título invicto do clube no profissionalismo, com a incrível média de 4,2 gols por jogo. O time perdeu apenas dois dos 40 pontos que disputou, e goleou praticamente todos os adversários: Flamengo e Fluminense tomaram de cinco, o América de oito.
A história de tão brilhante campeonato começou em junho daquele ano, quando o presidente António Rodrigues foi a Buenos Aires buscar Heleno, para reforçar a equipe formada por pelo menos seis craques da Seleção Brasileira que acabara de ganhar o Sul-Americano: Barbosa, Augusto, Wilson, Eli, Danilo Alvim e Ademir Menezes.
Embora o treinador Flávio Costa, que também dirigia o "scratch", tenha enfrentado problemas de relacionamento com Heleno, o jogador mostrou sua utilidade, marcando 10 gols nas 12 partidas de que participou ao longo dos 20 jogos da campanha, atrás de Ademir (31), Maneca (14) e Ipojucan (12). Após o campeonato, Heleno acabou deixando o clube, desgastado com o treinador, e mais uma vez seduzido por proposta do exterior.
Heleno na seleção que estreou no Sul-Americano de 1945: Jaime, Norival, Rui, Oberdan, Domingos, Biguá, e o técnico Flávio Costa (em pé); Tesourinha, Zizinho, Heleno, Ademir e Jorginho 
O ataque considerado o maior da seleção em todos os tempos: Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair e Ademir

Embora fosse destaque do Botafogo desde 1942, Heleno só estreou na Seleção Brasileira em 17 de maio de 1944, em um amistoso contra o Uruguai, no Pacaembu. O time ganhou por 4 a 0, e o centroavante, que substituiu Isaías (Vasco), no segundo tempo, marcou o último gol. Jair da Rosa Pinto fez os outros três.
O problema é que, de janeiro de 1942 a maio de 1944, a Seleção foi dirigida por Ademar Pimenta, que fora treinador de Heleno no Botafogo no começo daquela década, e que tivera um desentendimento com o atacante. Ao assumir o "scratch", Flávio Costa foi logo convocando Heleno, primeiro como reserva, mais tarde como titular. O time da estreia de Heleno (e de Flávio) formou com Oberdan Catani, Norival e Begliomini; Zezé Procópio (Alfredo), Rui (Ávila) e Noronha; Luisinho Oliveira, Lelé, Isaías (Heleno), Jair e Eduardo Lima.
Mas o melhor momento de Heleno na Seleção foi no Sul-Americano de 1945, no Chile. O Brasil ficou em segundo lugar, mas o futebol mostrado pelo atacante foi suficiente para despertar a atenção dos dirigentes do Boca Juniors, que vieram buscá-lo, mais tarde.
Durante os anos de 1946 e 1947, Heleno foi titular indiscutível. Mas foi no dia 4 de abril deste último ano que realizou sua última partida na Seleção, no empate de 1 a 1 com o Uruguai, em Montevidéu, que valeu a conquista da Copa Rio Branco. Em 1948, a Seleção só fez um jogo. O atacante, que estava na Argentina, ficou fora da equipe. Quando voltou ao futebol brasileiro, em meados de 1949, a Seleção havia encerrado a temporada. Em 1950, estava na Colômbia, e perdeu o bonde para a Copa do Mundo.
Heleno entre Dimas (E) e Ranulfo, em sua primeira e ultima partida no Maracanã

Em 31 de outubro de 1948, os jogadores profissionais de futebol da Argentina decidiram deflagrar uma greve. Reivindicavam, além da extinção do passe, assistência médica a seus parentes e, principalmente, um salário mínimo para a classe. Os dirigentes não cederam, e o Campeonato Nacional parou. As cinco rodadas derradeiras foram disputadas com jogadores amadores.
Em plena greve, cartolas de clube colombianos apareceram em Buenos Aires com uma novidade. Estavam fundando uma liga-pirata, sem qualquer ligação com a Fifa, na qual nenhum dos clubes filiados teria o direito de prender um jogador. A única exigência da chamada Associação de Futebol da Colômbia era a de que todos os times seriam obrigados a escalar, em cada uma de suas partidas, pelo menos um nativo.
Os grevistas não demoraram a concordar com a proposta. Pouco depois, trocaram a indefinição pelos polpudos salários que lhe foram oferecidos. Logo, craques de todo o continente correram para a Colômbia, reforçando clubes até então desconhecidos por seus próprios vizinhos, como Deportivo Pereira, Independiente Santa Fé e Junior Football Club.
Foi neste último que Heleno, mesmo fora de forma, foi mostrar sua bola, em 1950. Na realidade, quem o levou foi o empresário colombiano Mario Abello. Ele andou por aqui aliciando outros jogadores, e chegou a ser preso, depois que dirigentes do Botafogo apresentaram queixa à polícia. Mas logo seguiu para seu país, graças à interferência da Embaixada.
Heleno não ficou muito tempo na Colômbia. O grande time dos anos rebeldes (1948-1953) era o Millionarios de Bogotá, presidido por um rico exportador, Afonso Senior, e no qual brilhavam os argentinos Adolfo Pedernera, Nestor Rossi e Alfredo Di Stéfano. A equipe ganhou os campeonatos de 1949, 1951, 1952 e 1953. Em 1954, a liga-pirata foi sufocada pela habilidade dos dirigentes da Fifa. Mas Heleno não resistiu tanto tempo. Em abril de 1951 ele já estava de volta ao Rio.
Pela TV, fim de carreira no América
A primeira e última partida de Heleno pelo América foi contra o São Cristóvão, na tarde de sábado, 4 de novembro de 1951. E teve transmissão ao vivo da extinta TV Tupi, canal 6.   
O craque tinha 31 anos, e estava novamente fora da sua melhor forma, embora tivesse realizado alguns treinos no Santos, mesmo que não chegasse a ser contratado. 
A intenção do treinador Délio Neves, ao lançá-lo prematuramente, era dar maior agressividade ao ataque americano, pois Heleno iria jogar ao lado de Dimas, outro centroavante nato. Mas nada deu certo para certo para o time de Campos Sales. Heleno xingou o juiz Alberto da Gama Malcher, e foi expulso aos 25 minutos do primeiro tempo. 
Fgragilizado, o América tomou o primeiro gol. Carlinhos bateu escanteio e Ivan fez 1 a 0.  Ivan, lateral rubro, empatou, cobrando penalti, ainda na primeira etapa, mas Carlyle (que não é o que jogou no Fluminense) marcos duas vezes no segundo tempo, fechando o placar em 3 a 1.
O américa atuou com Osni, Ivan, Osmar e Godofredo; Osvaldinho e Rubens; Natalino, Ranulfo, Heleno, Dimas e Jorginho. O São Cristóvão, com Luis Borracha, Valdir, Tórbis e Jordan; Geraldo e Ney; Geraldinho, Carlyle, Nonô, Ivan e Carlinhos.
As opiniões de quem o conheceu 


Fora de campo, um homem com pinta de astro de Hollywood

Com Leônidas da Silva, de quem fez-se breve sucessor na seleção brasileira, nos anos 40

Cinco personagens que conviveram com Heleno deram suas opiniões sobre o ex-jogador. "São poucas, na realidade, as pessoas que tiveram intimidade com ele, e que ainda estão vivas. Joguei quase 13 anos no Botafogo, oito a seu lado, e posso dizer com certeza que seu maior defeito era ter a obsessão pela vitória, inclusive em treinos. Por causa disso, tornava-se um transtorno dentro do campo. Brigava com os adversários, com os companheiros, com o juiz, e dizia coisas impublicáveis. Mas, partida acabada, esquecia tudo e transformava-se em um cavalheiro", conta Otávio Sérgio de Moraes, 73 anos, ponta-de-lança campeão carioca pelo alvinegro, em 1948. "Errei um passe, e ele veio me dizer uma porção de coisas que o jornal não pode publicar. Quando entramos no vestiário, ameacei quebrar sua perna, caso repetisse o que dissera. Mas ele já estava distante, acho que nem sequer lembrava do que havia me dito. Heleno era assim. Uma vez cheguei a brigar em sua defesa. Foi em urna excursão ao México. Ele recebeu um carrinho maldoso, por trás, e saí em sua defesa. Acabei expulso", conta Zezé Moreira, 90 anos, técnico campeão carioca de 1948, que jogou com Heleno no Botafogo dos anos 30. "Heleno foi contratado contra a minha vontade. O Vasco tinha muitos craques, e eu, honestamente, não precisava dele. Mas acabei aceitando. Era um jogador brilhante. Ganhamos invictos o título de 1949, mas em um amistoso com o Renner, em Porto Alegre, fui obrigado a substituí-lo, pelo excesso de problemas que causara dentro do campo com os próprios companheiros. Após a partida, chamei-o a um canto e disse que sua carreira no Vasco estava terminada Ele não esboçou qualquer reação, porque fora do campo era de uma educação exemplar", ressalta Flávio Costa, 91 anos, que dirigiu Heleno no Vasco e na Seleção Brasileira. "Não me recordo em que jogo foi. Fui à linha de fundo e cruzei na medida. Ele cabeceou sem defesa. Corri para abraçá-lo, e quando cheguei perto ele me empurrou, e advertiu - 'Vê se você coloca menos força na bola, pois do contrário vai acabar quebrando a minha cabeça'. Mas, na realidade, nunca vi Heleno criando problemas em concentrações", afirmou o ponta-esquerda Chico Aramburu, campeão carioca pelo Vasco com Heleno, em 1949, e que fez sete partidas pela Seleção Brasileira ao lado do centroavante, entre 1945 e 1947, morto na semana passada. "Cheguei ao Botafogo em 1948, Heleno estava quase saindo de lá. Mas me lembro que em um treino, em General Severiano, fui atrasar uma bola para o goleiro Ari e dei uma ginga de corpo, enganando ele. Heleno me disse uma série de impropérios, e eu olhei com cara feia. Ele ficou quieto. Anos depois, fomos visitá-lo em Barbacena, em uma excursão do Botafogo. Só falava em grandeza, acho que já não estava muito bem", conta Nilton Santos, lateral bicampeão mundial, que conheceu Heleno no Botafogo. 

Heleno com o argentino Mario Buyé, grande ídolo do Boca nos anos 40: no começo amizade; depois desentendimentos.

Heleno gastou a bola. Mas também teve vida social intensa, embora não fosse de beber. Preferia as mulheres, que conquistava com seu charme e com a elegância que não abria mão de apresentar, mesmo fora do campo. Vestia-se com temos sempre bem cortados, falava o inglês com fluência e chegou a formar-se em direito, em 1946, numa época em que raros jogadores de futebol concluíam curso superior. Era de fato tão preocupado com a aparência que as torcidas adversárias, para tirar-lhe a atenção na partida, estavam sempre dirigindo-lhe gracejos. A provocação mais famosa, e que passou definitivamente à história, aconteceu na tarde de 28 de setembro de 1947, no Estádio das Laranjeiras. Naquele domingo, o Botafogo derrotou o Fluminense por 2 a 1, e a social do tricolor, irritada, passou a chamar Heleno de "Gilda", comparando-o ao personagem protagonizado pela atriz americana Rita Hayworth em filme de grande sucesso no Rio na segunda metade da década de 40. Heleno, na realidade, não deu muita importância ao fato. Chegou a deixar o campo do Fluminense rindo, provocando a torcida tricolor, fingindo que colocava pó-de-arroz. Só mais tarde, quando a paralisia geral progressiva já se tomara irreversível, é que os gritos de "Gilda" passaram a incomodá-lo. "Nunca houve uma mulher como Gilda", diziam as peças publicitárias do filme. Mas também nunca houve um craque como Heleno.

Time que derrotou a Bolívia por 3 a 0 no Sul Americano de 46: Ari, Domingos, Ivan, Ruy, Norival, Jayme de Almeida, Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair da Rosa Pinto e Ademir Menezes.
Os números de Heleno:
Botafogo - 233 jogos; 204 gols.
(*) Não existem dados precisos sobre o numero de jogos e gols de Heleno pelo Vasco, Boca Juniors e Junior de Barranquilha.
Seleção Brasileira: 18 jogos; 15 gols.

Títulos de Heleno:
Vasco: Campeão Carioca 1949
Seleção Brasileira: Copa Roca 1945 e Copa Rio Branco 1947

Fonte: Jornal dos Sports de 05 de outubro de 1997
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Grande craque Heleno de Freitas
Era mineiro de São João Nepomuceno, onde nasceu a 12 de fevereiro de 1920. Morreu em Barbacena, também em Minas Gerias, no dia 8 de novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade.

Heleno estudou no Colégio São Bento e depois obteve o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Era considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel e chapéus.

Livre, lindo e louco: As histórias de Heleno de Freitas e os 100 anos do primeiro jogador-problema do Brasil


Ele nasceu em 12 de fevereiro de 1920. Veio ao mundo para transformar e fazer história no futebol. Entrou pela porta da frente. Tornou-se ídolo. Saiu pela porta dos fundos. Virou o louco.

Viveu uma vida livre, mas nada leve.

Quebrou tabus numa alta sociedade na qual ele brilhava como galã, cobiçado por muitas mulheres, que passaram a frequentar os estádios por ele. Parava bares luxuosos ao chegar: “Bem-vindo, Doutor Freitas”. Sim, era formado em advocacia, como o irmão Heraldo, cinco anos mais velho.

Ambos não exerceram a profissão porque não queriam "defender bandido", muito menos colocar gente inocente na cadeia.

Era oriundo de família rica e descente.

Das peladas com os amigos foi parar no Botafogo, onde brilhou com sua arte, gols e dedicação anormais para um jogador de futebol daquela época.
Era a personificação da Estrela Solitária, o corpo e a alma daquele time. Um atacante elegante, polêmico e um cabeceador fulminante.

Um atleta capaz de humilhar não só os adversários como também os companheiros de time. Afinal, Heleno não perdoava quem não conseguisse efetuar um passe preciso.

Da vida intensa e promíscua adquiriu sífilis, grave doença venérea que, à época, além de não ter cura, levava o doente à loucura. Viveu os último dias em um hospício.

Esse foi o triste final do homem chamado "Gilda”, um dos maiores craques, o primeiro jogador-problema da história do futebol brasileiro.

Heleno de Freitas, se estivesse vivo, completaria hoje cem anos de vida nesta quarta-feira (12). Imagina o que ele teria para contar se tivesse vivido tudo isso, pois morreu, 60 anos atrás, pouco antes de completar 40 anos de vida.

Foi tão marcante que virou musical, "Um homem chamado Gilda", em 1996, interpretado pelo ator Raul Gazzola, depois virou tema de livro, em 2006 com “Nunca houve um homem como Heleno", do jornalista Marcos Eduardo Neves e, por fim, em 2012, foi parar nas telonas com o filme “Heleno”, de José Henrique Fonseca e estrelado por Rodrigo Santoro.

Dos campos, registros de imagens em movimento só existem dois. Um quando ainda jogava pelo Boca Juniors. Outro de um gol pela seleção carioca. No mais são fotos e muitas histórias de glórias e preconceito que marcaram sua trajetória. Na imprensa, como em tudo na vida, saíram verdades e maldades sobre o craque.

Ao mergulhar nesse universo fantástico e enigmático da vida de Heleno de Freitas, a impressão que tive é que devemos um pedido de desculpas à memória do jogador, em respeito aos familiares que carregam até hoje o fardo de histórias e especulação que não condizem com a realidade de quem conheceu e conviveu com o homem e atleta.

Nessa reportagem especial dos canais ESPN, em comemoração aos cem anos do ex-jogador, abordaremos os aspectos esportivos e humanos de um cara que apareceu no futebol e no imaginário do povo brasileiro para ficar para a história.

"Ele era muito gentil, eu nunca o vi gritando em casa ou falando um palavrão. A única vez que vi ele dar um berro na casa da vovó foi quando o Edu morreu, um amigão dele. Ele soube da notícia pelo rádio. Ele ficou doido. Chorava, batia na mesa, foi um desespero"

Herilene de Freitas, sobrinha de Heleno de Freitas
Heleno foi também artilheiro na seleção brasileira e sempre lamentou nunca ter disputado uma Copa do Mundo. Culpa da Segunda Guerra Mundial, que cancelou os torneios de 1942 e 1946. Depois, em 1950, na sua última chance, já com sintomas de demência, ficou fora após apontar uma arma para o técnico Flávio Costa. Ele estava brincando. O treinandor não entendeu assim.

Sobre a derrota para o Uruguai por 2 a 1, afirmou que se estivesse em campo teria aniquilado Obdulio Varela, o líder da seleção celeste, e o Maracanã não viveria aquela tragédia.
A verdade é que naquele ano do Mundial, muita gente próxima a Heleno já desconfiava que algo andava errado na vida dele, e que a cabeça do doutor da bola já não andava perfeita. A própria família dele relutou em acreditar que o ídolo dos campos estava com problemas mentais.

Triste foi a primeira e última participação de Heleno em sua estreia, com a camisa do América-RJ, no Maracanã, em 1951. O craque ficou parado, olhando as arquibancadas, completamente fora de si. Essas são algumas das tantas histótias que abordamos na reportagem em vídeo que você assiste no WatchESPN.

"Desde 1947, ele já dava indícios de que estava muito mal. Em 1949, ele é campeão carioca pelo Vasco. Só que ele chega para o Flávio Costa, que também era técnico da seleção, e aponta uma arma, fazendo uma brincadeirinha. E o Flávio acaba tirando ele da seleção"

Marcos Eduardo Neves, jornalista e autor da biografia de Heleno




Capa do livro "Nunca houve um homem como Heleno", edição do centenário do craque Reprodução
O lado “B” de Heleno
Não são muitos os pesquisadores que podem falar sobre a vida polêmica do grande futebolista Heleno de Freitas. Isso porque, de uns 20 anos para cá, não só a crônica esportiva, como principalmente os atuais consumidores do futebol, não estão ligando para as histórias daqueles que ajudaram a construir a trajetória do nosso amado futebol.

Preste atenção, são poucos os jornais, programas de rádio, televisão e sites na internet que abrem espaços para contar as gloriosas histórias.

Muitos pensam que a vida começou agora, apenas com as atuais estrelas da bola, se esquecem que o passado, que os nossos ancestrais abriram picadas no facão para que fôssemos respeitados no mundo inteiro como o país do futebol. E, se já não somos, aí é outra questão, mas o que foi construído é inegável.

Heleno De Freitas No Futebol

EQUIPEJOGOSGOLS
Botafogo233204
Boca Juniors177
Vasco2419
Atlético Junior159
América-RJ10
Brasil1815



A impressão que se tem é que estamos, definitivamente, apagando o que há de mais rico dos tempos dourados do nosso futebol. Portanto, se pouco ouvimos falar de Zizinho, Leônidas da Silva, Canhoteiro, Didi, Garrincha, enfim, nesse aspecto, apenas os feitos de Pelé ainda sobrevivem. Confesso, com medo, sem saber até quando.

É claro que o novo, o atual são fundamentais, mas se tivéssemos uma cultura de reconhecimento com os mais velhos, os professores, os desbravadores, como o Japão por exemplo tem, com certeza seríamos uma outra nação esportiva, social, econômica e cultural.

É por isso que insistimos, mesmo sabendo que este tipo de reportagem não mobiliza multidões a favor dos cliques e nos números do IBOPE, sempre subjetivos e muitas vezes injustos com o trabalho que alguns jornalistas teimam fazer.


Nessa missão, em forma de reportagem especial dos canais ESPN, mergulhamos em dois universos da vida do ídolo do Botafogo. São depoimentos e registros colhidos por familiares, como os das sobrinhas, Herilene e Helenize, entrevistas realizadas por pesquisadores que investigaram a vida do ex-jogador e depoimentos de quem viveu e jogou com Heleno.

A reportagem também levantou uma discussão a fim de esclarecer se a obra cinematográfica feita sobre o Heleno é ficção ou documental.

As histórias exibidas e os conflitos mostados mexeram com a família, que diz ter encontrado vários fatos “mentirosos” no filme.

"Ele não foi indigente. Isso é uma coisa que pertubou a família toda. A gente via o sacrifício que o meu pai fazia"

Herilene de Freitas, sobrinha de Heleno de Freitas


Um filho à procura do pai
Existe um homem, filho único de Heleno, que carrega na veia o sangue de um pai que ele não teve contato. Luiz Eduardo de Freitas, 71, é fruto do casamento do ex-jogador com uma linda mulher de nome Ilma.

Foi um casamento relâmpago, pois Heleno não levava jeito para levar um matrimônio a sério. Era cidadão do mundo, da noite e de todas as mulheres que o cobiçavam.

Assim a mãe de Luiz não aguentou o tranco de viver ao lado de um marido que a deixava grávida no hotel e partia para a vida noturna como se fosse solteiro. Segundo histórias contadas pelo próprio Luiz Eduardo, sua mãe, ainda grávida, vivia sozinha no período em que o casal morou em Buenos Aires, quando Heleno vestia a camisa do Boca Juniors.

Como já dissemos aqui, a beleza e elegância de Heleno eram os maiores cartões de visita de um cara que não precisava muito de conversa para conquistar as mais belas mulheres da sociedade. Aliás, dizem as boas e as más línguas que até a Evita Perón, primeira-dama da Argentina, teve um caso com Heleno durante sua curta passagem pela Argentina.

Por causa de atitudes como essas, Ilma resolveu abandonar o casamento e ir embora com o filho, ainda bebê. Logo depois, ela se casou com um político mineiro, um homem muito influente, que não permitia que ela falasse ao filho o nome de Heleno dentro de casa.
Luiz Eduardo de Freitas é o único filho de Heleno, mas eles jamais se conheceram Reprodução/ESPN

O curioso é que durante a infância, Luiz jogava futebol de botão e tinha como principal jogador, Heleno de Freitas. Mal sabia ele que na brincadeira gritava gols do próprio pai.

A bela Ilma não teve sorte nos dois casamentos, mesmo no segundo que durou cerca de 14 anos, até porque, de acordo com depoimentos de familiares, o segundo marido era agressivo e morria de ciúmes da relação relâmpago que ela teve com Heleno.

Luiz Eduardo só ficou sabendo da verdadeira história do pai em novembro de 1959, quando tinha dez anos de idade, no dia em que foi dada a notícia da morte de Heleno de Freitas, num manicômio em Barbacena.

Os canais ESPN estiveram com Luiz Eduardo em fevereiro de 2004, quando preparávamos o especial “100 anos do Botafogo”, documentário premiadíssimo como melhor reportagem de esportes no Prêmio Embratel de jornalismo.

Na entrevista ao repórter Helvidio Mattos, captamos um dos mais belos depoimentos já feitos na história da ESPN no Brasil. Sorte que, na época arquivamos o material bruto, um espetáculo de entrevista. Aliás, parte rica do material, resgatada está na nova reportagem em comemoração ao cem anos de Heleno.

Como destaque, a história da viagem do filho à procura de algum recado que o pai pudesse ter deixado nas parede, agora ruínas, do sanatório de Barbacena.

"Eu gostaria de ter sido ele... porque ele viveu. Ele viveu, cara! Ele não teve uma vida mesquinha. Ele era um catalizador. Ele era o Sol e se apagou..."
Luiz Eduardo de Freitas, filho único de Heleno de Freitas
Mulheres com“H”, de Heleno
O legado esportivo de Heleno de Freitas não está apenas nas obras feitas em campo. Do sangue da família Freitas nasceu três fenômenos do esporte.

Um grande exemplo é o saudoso Bebeto de Freitas, um primo que escreveu uma linda história no vôlei brasileiro e mundial, um gestor honesto, transparente e competente, que deixou muita saudade.
Dirigente Bebeto de Freitas durante treino do Botafogo, em 2008 Gazeta Press
Outra prova de que o esporte pulsa no coração e na alma dos Freitas está na dupla de sobrinhas, veteranas e vencedoras, nas quadras e nas piscinas.

Herilene, 77, e Helenize de Freitas, 75, conviveram parte da infância e adolescência com o tio galã. Nêga, que é a mais velha, diz que cansou de andar de mãos dadas com o tio no calçadão ou no Copacabana Palace enquanto as mulheres se derretiam pelo jogador-doutor.

As sobrinhas com “H” também fizeram e continuam escrevendo belíssimas histórias do esporte.
Herilene de Freitas é sobrinha de Heleno e nadadora com centenas de medalhas conquistadas Reprodução/ESPN
Herilene é nadadora e têm mais de 1.500 medalhas conquistadas nos últimos 27 anos de competições em mares e piscinas do planeta. É campeã másters de provas curtas, longas em diversos estilos, como peito, borboleta e costas. É praticamente imbatível. Nada todos os dias mais de 3 mil metros no clube da AABB de Niterói.

Aos 77 anos de idade tem disposição e gás para dar e vender, sem se privar de uma geladinha, sempre que pode.

Já em São João de Nepomuceno reside Helenize, mais conhecida na cidade e no voleibol como “Belê”, é a única pessoa da família que vive na mesma cidade onde o tio nasceu e foi enterrado. No encontro que tivemos em 2013, conhecemos uma jogadora de vôlei que fez muita história, que jogou muito pela seleção brasileira entre as décadas de 1960 e 1970.

Hoje, aos 76 anos, leva uma vida tranquila, praticando tênis e sempre buscando vencer. É uma figura interessantíssima. Fica ainda mais a vontade e engraçada numa mesa de bar.

Mulheres com H: As histórias das sobrinhas multicampeães do grande craque Heleno de Freitas

"Ele foi um craque, ele foi um Deus, e foi o diabo ao mesmo tempo..."
Herilene de Freitas, sobrinha de Heleno de Freitas
Homenagens tardam, mas não falham
Se existe alguém que faz questão de não deixar a memória esportiva de São João Nepomuceno morrer, é Nei Medina de Oliveira. Formado em administração de empresas, ele exerce o jornalismo mais do que uma paixão, e sim como uma missão.

Medina mantém uma coluna em um jornal e em um site da região. Faz um programa de televisão dando espaço para os esportistas da cidade, gente que foi da várzea, ou jogadores que se destacaram no futebol nacional, como o atacante Adil, ex-craque da Lusa, Corinthians, Cruzeiro, entre outros.

Além de cuidar, como se fosse um filho, da memória do esporte local, Nei foi o segundo vereador mais votado na última eleição pelo PSB.

Dez anos atrás, quando foi ao Rio de Janeiro para assistir a um jogo do Botafogo, no hoje estádio Nilton Santos, recebeu um convite da direção do time para contribuir com uma cota para que a equipe da estrela solitária homenageasse o ídolo Heleno de Freitas com uma estátua, que seria colocada ao lado de outros ídolos em frente ao estádio Nílton Santos.

Na época, acompanhado de dois amigos e secretários da prefeitura da cidade, João Daniel Moreira Machado e Roberto Isaías de Almeida Santos, decidiu, em vez de colaborar com o clube, no Rio, levar a ideia de inaugurar um monumento em São João Nepomuceno, berço de Heleno.

A estátua em homenagem ao maior nome do esporte de São João Nepomuceno foi inaugurada há oito anos, no dia 12 de fevereiro de 2012.

Nei Medina (camisa azul) ao lado de João Daniel (primeiro à esq.) e Roberto Isaías, os idealizadores da estátua de Heleno Arquivo Pessoal/Nei Medina

"A gente só pode compreender a história desse país através da história de sua memória. Heleno de Freitas faz parte da memória do povo brasileiro, queiram ou não"
Walter Carvalho, diretor de fotografia do filme "Heleno"
Fonte: Site da ESPN
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ADEUS A HELENO DE FREITAS




HELENO de Freitas foi o maior centroavante que encontramos em quase meio século de freqüência aos estádios de futebol do mundo inteiro. O maior, pelo menos, na nossa concepção pessoal da maravilhosa e dificílima posição de comandante de ataque. O maior, porque sintetizava perfeitamente, a nosso ver, a combinação ideal do "center-forward" europeu clássico, desbravador de defesas, e do jogador brasileiro de habilidade extraordinária. O maior porque era, de uma vez só, um batalhador terrível e um cerebral, juntando a inteligência do jogo e a inspiração genial ao espírito de luta e a vontade de vencer, possuindo malabarismo e eficiência chutando com os dois pés e cabeceando magnificamente, em breve um jogador completo, apesar de defeitos psicológicos conhecidos, e sobre os quais seria cruel insistir hoje, quando Heleno de Freitas faleceu em autêntica tragédia. '

Tínhamos guardado a lembrança de um Leônidas extraordinário na “Copa do Mundo" de 1938 na França. E, admirando particularmente esse posto de líder conservávamos carinhosamente na memória imagens de muitos grandes centroavantes, desde esse George Orth, o veterano húngaro, hoje técnico, no Peru, até o italiano Piola, passando pelo francês Paul Nicolas e por tantos britânicos excelentes: Buchan, Lambert, Dixie Dean, Gallacher, Lawton etc, Mas quando chegamos no Brasil descobrimos Heleno, então titular  do Botafogo e do "scratch" nacional com uma admiração comovida. 

Era este, mesmo, o centroavante ideal com quem tínhamos sonhado durante tantos anos, e foi ele que nos ensinou o caminho constante de General  Severiano, meses antes de começar a trabalhar imprensa esportiva brasileira. 

E foi ele o maior de todos porque o uruguaio Petrone das vitórias olímpicas uruguaias, e os argentinos Stabile e Pedernera, por exemplo, eram mais "infiltradores”, e porque Ademir e Pelé foram ou são mais "pontas-de-lança". E ele era o centroavante mesmo. 

Quando Heleno deixou o alvinegro, acompanhamos com simpatia sua carreira tumultuosa no Boca Juniors, no Vasco, no Atlético Juniors de Barranquilla na Colombia, e sua agonia no América. Ainda tentamos facilitar sua ,contratação pelo "Nice" francês, onde estava seu amigo Yeso, seu antigo companheiro de quadro do Boca Juniors, pensando que uma mudança total  de ambiente pudesse talvez ter uma influência feliz sobre seu estado de saúde. Mas tivemos de nos entregar a evidência: Heleno o centroavante já não existia mais... '

Eis porque consideramos como um dever afastar hoje os outros assuntos da atualidade esportiva para nos curvar comovido, ante o túmulo prematuramente aberto do jogador que nos dispensou momentos inesquecíveis de vibração mais pura de quem gosta sinceramente do maravilhoso jogo da bola, e que, sem ajuda do primário espírito de torcida, se entusiasma quando esse jogo atinge como era no caso de Heleno, aos limites da arte.

Albert Laurence - "Última Hora", 10-XI-1959

Acervo particular Angelo Antonio Seraphini
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 157 dezembro de 1959
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HELENO MORREU DE SAUDADES DO FUTEBOL 

De PAULO RODRIGUES 

MORREU Heleno de Freitas. O mais falado, o mais dis-cutido e um dos mais admirados craques do futebol brasileiro. Onde morreu, como morreu, eis a tragédia. Durante, quatro longos anos, Heleno estêve fora do seu mundo. Nunca, porém, alheio. Ao contrário, durante êsse tempo todo, Heleno falou de futebol, falou de sua carreira. Foi, durante êsses quatro longos anos, um homem triste. Deixara o futebol prematuramente. Não çor gôsto, óbvia-mente. Doente, Heleno, de um dia para o outro, saiu do seu mundo. Podíamos dizer, sem exagêro, que Heleno morreu de saudades. Saudades do futebol que foi a grande paixão de sua vida. Morreu, sim, de tristeza. Poucos joga-dores, como êle, viviam cada jôgo. Heleno já entrava em campo inflamado. Não precisava de tempo para esquentar. Queria era jogar, queria era. ganhar, fôsse defendendo a camisa do Botafogo, fôsse defendendo a camisa do escrete do Brasil. E com que alma defendeu sempre essas camisas. E com que felicidade recebia cada triundo. Heleno, em suma, morreu triste, porque não sabia viver sem futebol, o grande amor de sua vida. 
( "ÚLTIMA HORA"), 9-XI-1959 
BOTAFOGO 
Acervo particular Alceu Oliveira Castro Jungsted
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 157 de dezembro de 1959
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QUANTA SAUDADE! 


— Circunstâncias nos levam ao passado do nosso Clube. E isso sem nenhum saudosismo. Esse nome veio-nos como poderia ter sido de muitos outros. Mas tudo tem a sua  razão de ser. Heleno de Freitas "foi um magistral centro-avante que fizera esquecer todos os demais jogadores da posição. Até hoje, diante da falta de verdadeiros artilheiros, é ainda lembrado com a maior saudade. Valente e inteligente foi Heleno de Freitas o mais perfeito goleador de todos os tempos. É pena que nem todos tenham tido a sorte de vê-lo. A sua história é intensa, cheia de grandes alegrias para quem o conheceu. Não há um botafoguense da velha guarda que não se recorde desse craque do passado. Era-lhe comum fazer três, quatro gols mas jogava como um desesperado. Hoje não se vê nada disso... Na foto, o grande jogador, na sua pose característica de craque-galã que era. A paixão de Heleno pelo Botafogo era tanta que os amigos contam que ele ao ouvir insinuações sobre sua suposta preferência pelo Fluminense dizia: "quando a cegonha me trouxe ao mundo, vim com uma fraldinha cujo alfinete de segurança tinha o escudo do Botafogo". Veio a falecer, como todos sabem, após prolongada enfermidade, no dia 8 de dezembro de 1959. Foi sepultado no jazigo de sua família, em São João Nepomuceno, sua terra natal. Que diria ele hoje se estivesse vivo? 
Acervo particular Angelo Antonio Seraphini
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 243 de junho de 1984
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Apogeu e queda de um ídolo eterno 
A esposa, filha de diplomatas, fez dele assíduo frequentador da Embaixada do Brasil
Do apogeu e deslumbramento no Sul-Americano de 45, no Chile, comandando um ataque inimitável, de sonhos, com Tesourinha, Zizinho, Jair e Ademir, ao início da queda inelutável, em 51, houve um avanço de cinco anos de esperanças e desencantos na carreira de Heleno de Freitas. Estava agora transparentemente provado que ele ainda dispunha de futebol para grandes exibições, mas não contava, absolutamente, com equilíbrio emocional para suportar as agruras, o sobe-e-desce de uma guerra de campeonato com suas peculiaridades, seus caprichos, suas armas psicológicas e suas inumeráveis traições. Nesse permanente e exasperante estado de desequilíbrio anímico, Heleno não se continha, desafiando juízes, adversários, e até afrontando o público. Indispondo-se inclusive, com os clubes e os companheiros que ainda confiavam na força do seu talento e no império da sua soberania junto aos dirigentes.

A dificil e tormentosa subida da montanha 

Com o súbito falecimento do marido, vítima de grave acidente, dona Maria Rita de Freitas decidiu abandonar São João Nepomuceno e juntar-se aos filhos maiores, que já residiam no Rio. Heleno acompanhou-a e foram todos morar em Copacabana Mas, preocupada com o caçula e não desejando, como sempre depender de parentes, vendeu quase tudo o que possuía — o negócio de calçados, algumas casas, terrenos —, matriculando Heleno no São Bento, colégio de primeira da classe média alta. Por essa época, o extravio de uma criança, em Copacabana, só se justificava através da praia. E, claro, o garoto Heleno, morando bem no coração do Posto 4; logo, logo se rendeu ao fascínio da areia branca e às intermináveis peladas que ali se aprontavam. No Posto 4 Futebol Clube — sedução e obra de João Saldanha Saldanha, Pirica,  Bolinha Jaime Terra e Neném Prancha, que além de treinar o time ainda tirava as suas casquinhas correndo atrás da bola —, Heleno aperfeiçoou duas virtudes indispensáveis à formação da sua fulgurante carreira de craque: a coragem e a picardia Estava no seu elemento.
Começou no Fluminense ou no Botafogo? José de Almeida, um dos mais respeitados arquivos do Fluminense, e que já trabalhava nas Laranjeiras, por esse tempo, garantiu-me, vezes sem conta, que fora, sim, no Fluminense. Por outra parte, a turma do Posto 4 negava isso. Afirmando que havia sido no Botafogo. — O Botafogo veio mais tarde, bem mais tarde —sustentava Zé de Almeida. E digo mais: Heleno até que gostava muito do Fluminense. Não tenho a menor dúvida: ele era, mesmo, Fluminense. Se queres saber mais, digo: foi à época da cisão, aí por volta de 1933-34. O objetivo da cisão era implantar o profissionalismo no futebol brasileiro. Como o Botafogo não quis saber de aderir ao movimento, tendo permanecido do outro lado da briga, fiel ao seu amadorismo marrom defendido pela CBD ( o que equivalia a dizer, por ele próprio), chegou a acontecer essa coisa realmente inacreditável: inúmeros daqueles garotos defendiam o Botafogo, aos sábados, e o Fluminense, aos domingos, sempre pela manhã. Valia tudo — como valia. Foi, porém, em 1937, vindo de Montevidéu para substituir o velho Cabelli na direção técnica do Tricolor, que o treinador Carlomagno teve sua atenção voltada para Heleno: E deu sua definição, calorosa, encantado da vida: — Es muy, pero muy bueno! Carlomagno até gostaria de promovê-lo. — Tengo Ia sensación de que el pibe ya está más adelante de los otros. Disseram-lhe que podia estar enganado; melhor, mesmo, não entusiasmar-se tanto. E, aí, pintaram o pobre Heleno como se fosse um demônio: rebelde, amargo, debochado — decerta maneira, rudemente agressivo... — Por demais temperamental, Don Carlo. Muito difícil. Espere só e verá. Julinho de Almeida, dedicado e responsável diretor de futebol, dama de pessoa, pessoalmente não acreditava que Heleno viesse a mudar. E o vaticínio, infelizmente, fora correto. Tanto que, dia menos pensado, Heleno incendiou um treino de conjunto, observado a distância por Carlomagno, agarrando-se aos tapas com um desavisado companheiro, e somente porque este o atingira no joelho. Tinha pavor e ódio a golpes assim. De sorte que reagiu na hora. E como pôde: soltando as pernas, os braços, dando cabeçadas, tudo. Carlomagno, escandalizado, não vacilou, indicando-lhe o caminho dos vestiários. — Puede salir, jovem! Y no me vuelva más acá. A partir desse dia — é o que parece historicamente certo — Heleno incorporou-se, definitivamente ao Botafogo.
No início da carreira, ao lado de Nariz e Zezé Pprocópio, ambos da seleção e participante da Copa do Mundo de 38

A SUBIDA DA MONTANHA 
Em 1939 já se considerava inteiramente adaptado ao ambiente de General Severiano. Estava com a turma da praia — que mais querer? Porém, a 26 de novembro desse mesmo ano, o Botafogo perde, estupidamente, um campeonato literalmente seu. A equipe, desfalcada de Nariz, agora com uma zaga improvisada — o mineiro Bibi e o alemão Enpel acabou surpreendentemente derrotada pelo América, em Campos Sales, por 5 a 4 — gols de Carvalho Leite (3) e Zezé Moreira (1). Na preliminar — vale a pena frisar — duas promessas alentadoras: Zé Américo, filho do Ministro e escritor paraibano, estreando na extrema direita, e o "renegado" Heleno na meia. Moral da história: foi o melhor consolo para a já sofrida torcida alvi-negra: Botafogo 4 a 1. A 17 de março o Botafogo disputou um amistoso em Niterói, contra uma Seleção do Estado do Rio, e o que é que acontece? O time triunfa por 7 a 0, já com Heleno entre os vencedores, e, embora sem nenhum gol, operoso o tempo todo — todo o tempo a trabalhar para que os companheiros brilhassem mais até do que ele próprio. Com esta formação: Cabrita; Graham Bell e Bibi; Zezé Moreira (Canali), Pacheco e Zarci; Álvaro (Zé Américo), Heleno, Pascoal , Nelson e Patesko. Mais tarde, com o campeonato disputado, pela primeira vez, em três turnos, o Botafogo enfrentou e derrotou o Bangu; desta feita com dois golaços de Heleno — gols de engenho e arte. E, com ele, no mesmo barco de esperança e alegria, este conjunto: Aimoré; Graham Bell e Bibi; Zezé Procópio, Pacheco (Zezé Moreira) e Canali; Alvaro, Carvalho Leite (Heleno), Pascoal, Nélson e Patesko. Na manhã seguinte, aqui mesmo no JS, extrapolei todo meu entusiasmo pela nova estrela que começava a brilhar, tão intensamente no futebol carioca. 

— Prestem bastante atenção. E guardem bem este nome: Heleno de Freitas. E elegante, engenhoso, preciso, vibrante e destemido. Não importam as circunstâncias. Distribui e ataca com igual decisão. Tem mais: com uma virtude, um talento que andam a escassear entre os mais antigos, isto é, mobilidade na área, e exatidão nos cabeceios. Não me arrependi nem um pouco do que havia escrito. Gozaram-me é verdade, inclusive, me desafiaram. Mas ganhei de todos, todas as apostas. E era apenas, o início de uma íngreme subida até ao pico da montanha da fama definitiva.
Em General Severiano ou onde quer que pulsasse um coração_botafoguense barrar_Carvalho Leite nem pensar. Carvalho Leite, assim como Martin Silveira e Nilo Murtinho Braga, era intocável. Ninguém suportaria tamanha heresia. Afinal de contas, Carlos Carvalho Leite, assim como Martin e Nilo Murtinho Braga, não dispunham somente de tarimba, mas talento — e que soma de talentos. Carvalho Leite viera de Petrópolis, diretamente, especialmente para se transformar, depois de Nilo, no mais venerado dos craques dessa geração. Além de que, li mesmo se tornara acadêmico de Medicina e médico, sem jamais trair suas raízes, suas cores bem-amadas.
Carvalho Leite, significa vitória. Era sinônimo de Botafogo. Mas Heleno estava chegando. Com a força de um turbilhão. Os técnicos que se virassem. Se não fosse de centroavante, que o escalassem na meia, mas escalassem. Os dados estavam na mesa – “y la vida és como los dados, tienem sus puntos mqrcados”...

VIAGEM DO SUCESSO 
Veio 1941 e o Botafogo retorna, em excursão, ao México, depois de seis anos. Sobreviventes da primeira viagem unicamente o dirigente Fernando Dias e os jogadores Aimoré, Zezé Moreira, Nariz, Carvalho, Leite e Patesk o. Os veteranos Martin Silveira, Alvaro e Canali, excluídos da delegação por não terem renovado seus contratos, criaram os maiores embaraços à administração do Presidente e Ministro João Lyra Filho. Os jornais não silenciaram sobre o problema, e A Noite, de caudalosa tiragem, sentenciou em manchete: Explode grave crise no Botafogo. Com ela Otacílio perde a sua vaga no time e Perácio ganha suspensão, em decorrência de declarações desatinadas à Imprensa, tendo, posteriormente, seu contrato rescindido por deliberação do Conselho de REVISÃO, adotada na noite do dia 16 de fevereiro, além da fixação de um prazo de quatro dias para se retratar publicamente... Em pura perda. Além de não se retratar, mesmo, Perácio trocou General Severino pela Gávea. E virou Flamengo enquanto viveu. 

NOVOS HORIZONTES 
A viagem ao México, com brevíssimos périplo pelos Estados Unidos, ocorreu a 8 de janeiro, no transatlântico Argentina. Dela participando: Ademar Bebiano (chefe da delegação); Fernando Dias (secretário e tesoureiro); Lauro Soleno (médico); técnico (Ademar Pimenta), e estes jogadores: Aimoré Moreira e Brandão (goleiros); Nariz, Granem Bell e Borges (zagueiros); Zezé Procópio, Zard e Laxixa (apoiadores); Patesko, Heleno, Carvalho Leite, Geninho, Pirica, Tadique, Geraldino e Sardinha (atacantes). Á estréia, prevista para o dia 9 de fevereiro, foi ratificada durante a demorada travessia. E o adversário escolhido, o Estudiantes de la Plata, da Argentina, um fortíssimo elenco. Mesmo assim o conjunto, brasileiro não perdeu. Estava exausto e sem nenhum treino, mas conseguiu agüentar o empate em 1 a 1. Heleno, não confirmado ainda como titular, entrou somente no segundo tempo, no lugar de Geraldino. E não decepcionou, pelo contrário, Tanto que Ademar Pimenta voltaria a insistir com ele, na verdade, pressionado por Ademar Bebiano, considerando, principalmente, as expressões elogiosas dos jornais. El Heraldo — por exemplo, já o matutino de maior circulação no país, chegou a ficar surpreendido com a demora da entrada de Heleno: — No se compreende que teniendo un jugador de la calidad de Heleno, lo dejen afuera, a mirar el espetáculo... 
Os jogos no México, como de hábito pela manhã, tiveram prosseguimento imediato. Reunindo Botafogo x Espania e Botafogo x Combinado Asturias — Espania. Por sinal, sempre o mesmo êxito do início: 3 a 2, 2 a 0; finalmente, 5 a 3. E Heleno, firme. Na Ultima das apresentações, então, nem queiram saber: esteve soberbo. Embora a violência tomasse conta do espetáculo, "De Freitas" não se intimidou. Por mais que o mexicanos batessem, mais ele gritava: — Para mim, caras! Passem para mim, que darei um nó nas pernas desses bodes cegos... Impressionante, realmente, a sua performance ao lado de Carvalho Leite e Geninho.  De tal modo que o Embaixador Lima Cavalcante faz questão de homenageá-lo com um presente típico: aquele chapelão asteca, bordado de lantejoulas. — Espero vê-Io, breve, na Seleção, garoto! Heleno tinha um primo, o cônsul Mauro de Freitas, que sempre o doutrinara a seguir sua própria carreira. O embaixador lembrou-se do colega Mauro, e perguntou-lhe: — Vai, mesmo, juntar-se a nós, na carribière? — Até que eu gostaria, embaixador. Por enquanto, porém, quero matar minha secura de bola e gol... 

NA VOLTA, AS PRIMEIRAS NOMEAÇOES 
O embarque para Nova lorque foi feito de automóvel. Havia, claro, o trem, muito mais confortável, mas aquilo de conhecer as estradas norte-americanas constituía um luxo que Ademar Bebiano, muito rico e ainda dono da Nova América, fazia questão de oferecer aos jogadores, em homenagem à sua honrosa invencibilidade. Nada menos de dezessete carros foram colocados à disposição do "circo alvinegro". — Não seria mais prático viajar de trem, Ademar? — perguntei-lhe, muitos anos depois. — Valeu pela satisfação do bonito papel que a equipe fez no exterior. Foi uma honra para o chefe da delegação... Nobre e generoso, era assim que Bebiano costuma reagir. De regresso ao Rio, após uma exibição em Nova Iorque, contra a seleção estadunidense (vitória carioca por 3 a 1), Heleno de Freitas transformou-se no assunto — no destaque maior de todos os jornais. Foi o mais festejado, o mais aplaudido nas ruas, não obstante isso, o menos cordial diante das palmas e abraços que recebia.
- Sabe de uma coisa, são os mesmos chatos de sempre lá e cá, parecem filhos da mesma barriga. Quero ver na hora da derrota.
Heleno tinha obsessão do martírio. Cuspia fogo no agrado inoportuno e exagerado. A rigor, só guardava carinho para se entender com a bola...
Assim mesmo quando a bola não lhe negava igual tratamento...
O tempo correu rápido. De repente, eis-nos em 1951. Heleno já não sabe tanto o que fazer da fama que começa a escapar-lhe, sem ruído, traiçoeiramente. Percebe-se que está carente de tudo um pouco. Inclusive, com passagens instáveis pelo Boca Juniors, Atlético de Barranquilla e Vasco da Gama, quando uns poucos amigos de verdade, tentam recuperar-lhe o ânimo com a perspectiva de um novo contrato, agora com o América. 
— Mas, gente, o América anda tão ruim das pernas!... — Não Heleno. Devagar. Acho que você está enganado. — Tá bem. Se é isso que vocês dizem, vou tentar, vou topar essa aventura. Luto par essa aventura-: Mas só não garanto se irei suportar uma temporada inteira no meio dessa raça. 
— Agüenta, cara. Tenha paciência. E lembre-se de que nem todo dia é dia de banquete... Ainda o vejo sem alegria no rosto, camisa vermelha cobrindo-lhe o dorso descarnado, descendo as escadas que dão acesso aos vestiários do Estádio Mário Filho. Não aparenta tranqüilidade. Pelo contrário: gesticula muito e murmura frases desconexas, picotadas. Pois é, acabara de ser expulso de campo, em pleno primeiro tempo de um jogo contra o São Cristóvão, o da estréia. Não resiste, porém, a punição, e desanca o juiz. Não satisfeito com isso, ainda debocha de vários companheiros. — São uns ceguetas. Não sabem nem o que é dialogar. Uns bolhas, é o que são. E pensam que podem tirar campeonato! Quero ver só. E vou rir muito, se vou... — Calma, Heleno. Calma que a gente trata disso, mais tarde, na Federação. — Calma, com todos esses burros, na frente da mesma carroça? Na boca do túnel, o técnico Délio Neves, justamente aquele que mais se batera pela contratação dele, não sabia a que atribuir tamanho descontrole. — É uma pena — confessou. De minha parte, não esperava que ele explodisse tão cedo. — Deixa prá lá, Délio. Melhor que seja agora do que mais tarde. E trate de arranjar também outro extrema-direita, esse tal de Natalino é uma besta! Heleno estava exausto e suarento. Suava mais do que costumava. — Depois, dizem que a culpa é só minha, que Heleno não é flor que se cheire. Também, com este timeco e mais esse juiz de cochichos, só mesmo no América... Délio Neves continuava perplexo e transtornado. — Esquece, Heleno. A hora não é esta. Desabafe mais tarde, lá no clube. Vamos esfriar nossa cuca e passar tudo a limpo, quando estivermos em casa. A resposta veio desanimadora. — Não precisa preocupar-se. Foi apenas uma experiência. E esse tipo de experiência, eu não repito nem para ganhar todo o ouro do mundo. É dose demais para quem já jogou no Botafogo, no Vasco, no Boca e no Atlético Juniors, de Barranquilla. Não esquente, não ligue. Eu sou assim mesmo.
 
ADEUS, FUTEBOL 

Em casa, a família e os amigos mais fiéis calavam-se por falta de argumento, um dos irmãos, resignação esgotada, insistiu com mais dureza: — Não acha que está na hora de procurarmos um médico, Heleno? E lembre-se: terá que ser logo. Da maneira como você vem se comportando, nem nós poderemos tolerar mais suas impertinências. Percebeu que está passando dos limites, ou quer acabar com a saúde da mamãe? — Puxa, até vocês vocês, também, contra mim!
Houve silêncio profundo na sala. O velho Sabiá, botafoguense de lutas pesadas, trouxe-nos à lembrança, episódios semelhantes. — Foi assim no Botafogo, no Fluminense, na Argentina, na Colômbia. Infelizmente, não tem mais remédio. 
— Espere aí. Remédio, tem. O que ele não tem é coragem de enfrentar os exames médicos, exames para valer. Mais do que isso: o que ele tem é medo de parar, de sair de cena, não ser mais o Heleno-craque, o Heleno-ídolo! 
Vem à tona, como num filme imaginário, o Atlético Juniors, de Barranquilla. Nem fazia muitos clássicos, Heleno regressara da Colombia. E, apesar das dificuldades, o dinheiro contado, lá estava ele, novamente, com a sua irreprimível mania de grandeza. Agora, falando em comprar um Cadillac, zerinho, zerinho. 
— O quê, Cadillac ao preço que anda, me diga em que nós andamos? Não, mano, não brinque! Oscar, o irmão, não queria nem ouvir. 
— Com que roupa, Heleno? — E o meu prestígio? Então não conta, não soma, não vale o preço de um Cadillac, esse meu prestígio? — Pois, experimente. 
— Claro que vou experimentar — ou vocês penam que o Heleno, aqui, vai mesmo passar sem um carrão desses! 
No fundo e na forma, Heleno não mudara. Mais grave: mudara para pior. E andava esquecendo tudo. Após o desembarque, vindo de Barranquilla, foi direto para o Botafogo. O Botafogo treinava, e ele, lá, juntando gente na arquibancada. Ficou por muito tempo em silêncio, ruminando seu passado no clube. O jeito era de desolação e raiva. Saiu e foi praticar halterofilismo.
— Sabia que é ótimo para enrijecer os músculos das pernas e dos braços? 

O PASSADO — QUE CHATO... 

Nunca falava de coisas passadas, mas sempre se dispunha a ouvir, quando alguém, da sua intimidade, remoía esses tempos. 
— Não posso dizer, isso não, que nunca fui feliz no Botafogo. Fui sim. Principalmente, na companhia de Aimoré, Zezé Moreira, Procópio, Carvalho Leite, Martin, Patesko, Canali aquela cavalaria de força motriz — aqueles bravos campeões dos melhores anos do clube. Sabe, cheguei lá para ser meia-direita, ainda brincava nas duas meias e de centroavante. No íntimo, porém, sempre preferi zanzar pelo centro. Dava mais emoção. Dava, sobretudo, muito mais oportunidade de matar os goleiros a pau... Nessa época, Heleno ainda andava pelos 20 anos, era um galã perfeito, e possuía um enorme futuro. 
— Tem uns patetas, por aí, que acham que estou no fim. Vou provar que não, não estou, mesmo! 
Sobre o incidente com Carlomagno, no Fluminense, costumava alegar que estava numa idade de indefinições. 
— Passamos por momentos agradáveis, mas o que ficou, o que de fato perdurou, foram os longos dias vividos no Botafogo. O Botafogo, sim, tinha muito charme. Era diferente de todos, uma família brigona, mas adorável, inesquecível. Longe dela, a gente nunca era feliz. Empolgava-o, no entanto, e acima de tudo, os tempos de seleção, depois que Leônidas da Silva foi transferido para o São Paulo, cedendo-lhe a vaga, cativa, no comando da equipe, ao lado de Tesourinha, Zizinho, Jair Rosa Pinto, Ademir Meneses, e outros cobras. 
— Dava gosto. Era uma academia de luxo. 

ANOS DOURADOS 

Em 1945, já efetivo da Seleção Brasileira que disputou nos meses de janeiro e fevereiro em Santiago do Chile, o Campeonato Sul-Americano, chegou a apresentar atuações memoráveis. O ataque, acreditem, era irresistível — Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair e Ademir. Jogavam por música. Inclusive, Ademir Meneses, deslocado da meia para a extrema. Flávio Costa teve cabeça, realmente. Para que o time não ficasse privado da presença de Ademir, que era meia-esquerda clássico, ou centroavante, já que Jair não podia permanecer de fora, que fez o técnico? Muito simples e até providencia!: deslocou Ademir para a extrema, no lugar de Jorginho, do América, que também era muito bom como ponta. Foi uma sensação.
Lamentavelmente, enquanto crescia o futebol de gênio desse formidável Heleno, aplaudido e admirado em todo o Continente, crescia em igual proporção, sua fama de jogador irracional, irado. A verdade, penosa, dolorosa, é que essa fama foi se alastrando. E já não era por causa unicamente das desavenças no Botafogo. Não. Outras causas faziam agravar sua incompatibilidade com a intimidade dos clubes, dos companheiros, dos dirigentes, até mesmo dos jornalistas. Isso viria a ocorrer no Boca Juniors e até no Atlético, de Barranquilla, que o recebeu com "um banquete em homenagem ao Doutor Heleno". 

ÚLTIMA CHANCE. VASCO DA GAMA 

Subitamente, e apesar de tantos temores provocados, tanto descrédito, brilha no interior desse túnel pavorosamente escuro, uma luz generosa: o Vasco da Gama decide apostar na sua recuperação. A idéia partira de Flávio Costa, um técnico que admirava enormemente seu talento, mas que jamais deixara de opor restrições ao seu comportamento disciplinar. 
— Vamos tentar, vamos tentar. Ele bem que merece. Quem sabe se, agora, não se emenda. Afinal, o Vasco é um poderoso clube de massa, clube rico — quem sabe não acontece o milagre? Otávio Póvoa, general reformado, presidente do Vasco, paternal admirador de Heleno, apertou as mão de Flávio. 
— Francamente, não esperava ouvir isso de você, Professor! Até que os dois se tratavam à distância, o presidente querendo impor escalações e contratações, Flávio resistente. Todavia, pelo menos nesse caso de Heleno, os dois se mostraram afinados. De pleno acordo. 
— Quer dizer então, que posso concluir as negociações? 
— Ora, presidente, faça como achar melhor. O que fizer estará bem feito. Moral da história: São Januário lotou para assistir ao primeiro treino de Heleno. E ele, ainda nos vestiários, calçando as chuteiras, já de camisa cruzmaltina , indagava, fazendo gracinhas. — Quer tirar uma foto bem histórica desse dia? Lógico. Todos quiseram, e muito. Heleno colocou-se de pé, cruzou os braços e brincou: — Adivinhem quem é que falta para eu me tornar um bom e autêntico patrício? — Ninguém quis adivinhar. E como ninguém adivinhasse mesmo ele concluiu, irônico e debochado: — Os bigodes, caras, os bigodes... E atravessou a pista, no rumo do gramado. Só não imaginava é que seria justamente vestindo aquela camisa, que iria conquistar o seu primeiro (e único) título de campeão carioca. Laureado pelos dez magníficos gols marcados durante a temporada. Pensam que adiantou? Nem isso. Foi apenas um sonho de verão. Cedo, rompeu com Flávio Costa, uma briga séria, Flávio de chicote na mão, mandando que ele se fosse, antes que perdesse a razão. Desgraçadamente, Heleno já estava próximo do colapso que o levaria, para sempre, ao velho Sanatório de Barbacena, e à morte. Uma morte que todos choramos copiosamente. A morte de quem vivera tão pouco, deixando uma saudade que duraria eternamente.

Acervo particular Angelo Antonio Seraphini
Fonte: Jornal dos Sports de 13 de novembro de 1988
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HILÁRIO RUA
CAMPEONATO CARIOCA DE AMADORES – 1942

16 / 05 – Botafogo 12 x 5 Bangu (Rua Ferrer).
Gols: Tovar (3), Zé Américo (3), Otto (3), Renê (2) e Armando.

23 / 05 – Botafogo 8 x 1 Bonsucesso (Rua General Severiano).
Gols: Augustinho (4), Tovar (2), Zé Américo e Otto.

06 / 06 – Botafogo 11 x 2 Carioca (Rua General Severiano).
Gols: Botafogo: Renê (4), Augustinho (4), Tovar, Zé Américo e Otto.

14 / 06 – Botafogo 9 x 1 Andarahy (Rua General Severiano).
Gols: Augustinho (5), Zé Américo (2), Renê e Otto.

20 / 06 – Botafogo 3 x 0 Fluminense (Rua General Severiano).
Gols: Zé Américo (2) e Tovar.

27 / 06 – Botafogo 2 x 1 Flamengo (Rua General Severiano).
Gols: Augustinho e Tovar.

12 / 07 – Botafogo 4 x 0 Ideal (Parada de Lucas).
Gols: Renê (2), Otto e Augustinho.

26 / 07 – Botafogo 13 x 1 Ruy Barbosa (Rua General Severiano).
Gols: Augustinho (4), Zé Américo (3), Otto (2), Renê (2) e Tovar
(2).

05 / 08 – Botafogo 3 x 4 São Cristóvão (Rua São Januário).
Gols: Renê (2) e Otto.

09 / 08 – Botafogo 3 x 3 Olaria (Rua Cândido Silva).
Gols: Augustinho, Tovar e Otto.
Nota: O Botafogo ganhou os pontos, porque o Olaria atuou um atleta irregular.

15 / 08 – Botafogo 3 x 1 Mavilis (Rua General Severiano).
Gols: Renê, Otto e Augustinho.

23 / 08 – Botafogo 15 x 2 River (Rua General Severiano).
Gols: Augustinho (8), Tovar (3), Renê (2), Otto e Hélio Campos.

29 / 08 – Botafogo 3 x 1 Confiança (Rua General Severiano).
Gols: Renê (2) e Álvaro Costa.

05 / 09 – Botafogo 6 x 2 América (Rua Campos Salles).
Gols: Renê (3), Augustinho (2) e Otto.

12 / 09 – Botafogo 7 x 0 Canto do Rio (Rua General Severiano).
Gols: Armando (3), Tovar (2), Emmanuel Viveiros “Maninho” e Renê.

CAMPEONATO CARIOCA DE AMADORES – 1943

01 / 08 – Botafogo 10 x 3 Bangu (Rua Ferrer).
Gols: Octávio (5), Renê (2), Ruiz, Edgard e Tovar.

08 / 08 – Botafogo 4 x 0 Madureira (Rua General Severiano).
Gols: Edgard (4).

10 / 10 – Botafogo 4 x 2 Madureira (Rua Conselheiro Galvão).
Gols: Ruiz (2), Edgard e Hélio Campos.




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