OS INTERESTADUAIS DE 1906-1916
Passaremos a descrever, pela voz típica e tão interessante da imprensa da época, os jogos interestaduais em que se empenhou o Botafogo, desde a prehistória do futebol até 1916, contra os grandes clubes de São Paulo, isto é, o Paulistano, o S. Paulo Atlétic, o Internacional, o Germania, o A. A. das Palmeiras, o Mackenzie College e o Americano, grémios éstes que deram as maiores glórias ao futebol brasileiro, hoje, todos eles afastados das canchas, a maioria definitivamente extintos, o Paulistano, o Atlétic e o Germania praticando outros desportos.
Tais jogos, em número de vinte e quatro despertavam muito maior interesse, outrora, do que os dos torneios locais, enchendo colunas da imprensa, que mal se preocupava com os demais encontros, a não ser quando se tratava de um Botafogo x Fluminense, a luta máxima do nosso futebol naqueles longinquos tempos.Descrições cheias de vida, com expressões e comentários próprios da época e que grifaremos, merecem ser transcritas em nosso Boletim, porque revivem as glórias de todos nossos primeiros cracks, verdadeiros símbolos do Botafogo como Flávio Ramos, Emanuel, Mirni e Lauro Sodré, Alvaro e Octavio Werneck, Rolando e Abelardo Delamare, Lulú e Carlito Rocha, Dinorah, Edgard Dutra, Villaça, Luiz Menezes e tantos outros, bem como a dos grandes primeiros cracks de S. Paulo: Tutú, Urbano, Irineu Malta, Rubens Salles, o célebre triângulo Hugo - Menezes e Itaborai - Friedenreich, Décio Viccari, também muito nosso.
Com notas elucidativas procuraremos esclarecer dúvidas e informar melhor. Assim, inicialmente lembraremos o que todos sabem, isto é, que o futebol desenvolveu-se primeiro e mais rapidamente em São Paulo do que no Rio, desde que Charles Miller trouxe duas bolas da Inglaterra, em 1894 e implantou-o no São Paulo Athletic Club, grêmio de ingleses, como as nossos Rio Cricket e Paysandú. Em 1898 fundava-se o Mackenzie College, clube dos alunos do colégio, em 1899, o S. C. internacional, primeiro grémio verdadeiramente nacional e logo após, o S. C. Germânia, da colonia alemã. Em dezembro de 1900 fundava-se glorioso C. A. Paulistano e em 1902 a querida A. A. das Palmeiras que fortaleceu-se quando em 1905 recebeu os dissidentes do Paulistano. O celebre S. C. Americano que deu as maiores glórias ao futebol brasileiro, fundou-se em 1903, em Santos, mudando-se posteriormente para São Paulo.
Enquanto isso, no Rio, somente existiam grémios ingleses, praticando esporadicamente o futebol, surgindo o Fluminense, em 1902 e o Bangú, o Botafogo e o América, em 1904. Cabe aí uma observação curiosa: tiveram muito maior vitalidade futebolista esses nossos quatro grêmios que, até hoje brilham nos primeiros postos, do que todos s valorosos clubes paulistas citados, de há muito desaparecidos das canchas.
Fundada a Liga Paulista, desde 1902 fazia disputar regularmente seus campeonatos quando a nossa Liga Metropolitana de Futebol surgiu fazendo realizar o seu primeiro torneio em 1906, ano em que o Botafogo foi ousadamente a São Paulo enfrentar um selecionado paulista, levando apenas: três reforços. Conrado Mutzembecker, Calvert, do Rio Cricket, e Armindo Motta do Atletic.
Passaremos a descrever ésse célebre encontro que Flavio Ramos, um de seus heróis relatou admiravelmente em nosso Boletim agôsto de 42.
1º jôgo: Selecionado Paulista x Botafogo. Data: 4 de agôsto de 1906. Local. S. Paulo. Resultado: Botafogo, 2x1.
Clube de rapazes adolescentes, com dois anos de existência, apreendendo ainda a jogar, figurando apagadamente no primeiro campeonato carioca pois que só no ano seuinte tornar-se-ia o grande rival do Fluminense, com o qual empataria a primeira colocação, o Botafogo, por inspiração de seu grande impulsionador e benemérito, o presidente Souza Ribeiro, empreendeu esta ousada excursão para enfrentar um verdadeiro selecionado paulista que a 31 de julho de 1906 enfrentara, embora perdendo por 6x0, os temíveis sul-africanos, no primeiro jôgo internacional disputado no Brasil.
Eis como a imprensa da época descreveu o jôgo, considerando o nosso então modesto como um combinado carioca e chamando-o de "Fluminenses", denominação então em voga para os cariocas, como se verá a meudo.
Rio v. S. Paulo — Vitória do Rio — A taça Elihu Root.
Causou indescritível contentamento a noticia que ante-ontem publicamos, em resumo o Grande "match" de "footballers" jogado sábado último entre os "teams" Rio e S. Paulo, em honra do Sr. Elihu Root, do qual reultou a belíssima vitória dos fluminenses.
Foi uma surpreza geral em rodas de "footballers", porque o "team" do Rio, conquanto estivesse homogeneamente constituido e com bons elementos, entretanto não se treinou uma só vez, para enfrentar o digno adversário cujos elementos eram de intimidar o "team" carioca mais forte. Os jornais paulistas de ontem tecem grandes elogios aos "footballers" cariocas e descrevem circunstanciadamente a peleja em todos os seus detalhes. O Velódromo Paulista apresentava aspecto soberbo, com a sua ornamentação profusa e de muito bom gôsto, destacando-se principalmente a tribuna de honra que era o que mais chamava a atenção. Daí assistiram à luta, o Sr. Elihu Root, Secretário de Estado da União Americana e o Sr. Lloyd Griscom, Embaixador Americano e suas Exmas. famílias, o Dr. Jorge Tibiriçá, Presidente do Estado, altas autoridades e pessoas gradas.
A concorrência de assistentes, no número dos quais encontrava-se o "smart" paulista foi calculada em mais de 8.000 pessoas, isto é, arquibancadas, tribuna de honra, pavilhão e as outras dependencias do Velódromo, encheram-se "au grand complet".
O jogo teve início às 4 e 20 p.m., os teams achavam-se assim dispostos no "ground":
Fluminense: — A. Werneck, J. Leal, O. Werneck, J. F. Macedo Soares, C. Calver, C. Mutzembecker, N. Hime, F. Ramos, A. Sampaio, G. Hime, A. Motta.
Paulistas — J. Miranda, Pinto, W. Jeffery, Stwart, Maneco, Pyles, A. Ruffin, Gonçalves, B. Cerquera, O. Andrade, H. Ruffin.
O "match" começou com um jôgo um tanto fraco e indeciso, de parte a parte; o team paulista, porém, parecia mais forte, visto o desembaraço com que os suas linhas agiam e o belo jogo de passes que se notava nos "forwards" e "halves". Retirou-se logo após machucado o "in-side right wing forward" paulista Gonçalves.
Os paulistas trataram de enfrentar o inimigo e com energia; o goal do team do Rio foi vasado, em seguida, e desta forma: a linha de forwards, secundada dos half-backs avançou com a bola em passes e combinadamente; nas proximidades do goal área, o "out side left" fez um belo passe ao "center-forward" Vevé que, com um shoot admirável, conseguiu marcar para team o primeiro e único goal, sob os aplausos estrondosos dos circunstantes.
Dêsse match em diante o jôgo animou-se extraordinariamente, cerrando em seguida os fluminense o ataque contra o goal dos paulistas. A luta entre os aguerridos teams tornou-se acesa, durante alguns minutos, ouvindo-se ininterruptamente, estrondosos e frenéticos aplausos. Os paulistas voltaram a carregar o ataque contra as linhas inimigas, mas sem resultado, devido à defesa brilhante que se notava e na qual se distinguia principalmente, a linha dos "halves" e o "goal-keeper" A. Werneck. Finalmente o 1º "half-time" findou, apitando o "referee" com este resultado: Fluminenses, 0 "goal" x Paulistas, 1. O jôgo no 2º half-time modificou-se bastante; começou com o ataque do team paulista ao qual respondeu garbosamente o Fluminense. Houve um corner dado contra o team do Rio, sem proveito para o inimigo; A. Werneck, na porta do goal, defendeu brilhantemente uma bola shootada por H. Ruffia, que lhe valeu aplausos. A. Sampaio deteve a bola e passou-a logo a F. Ramos, que por sua vez passou a N. Hime, que shootou, sem conseguir fazê-la passar os postes do goal paulista. G. Hime apoderou-se logo após da bola, avançando sôbre o campo adversário. Na linha de penalty fez um belo passe a Ataliba Sampaio que, sem perder tempo, shootou. J. de Mirando, porem, rebateu-o galhardamente, indo ela cair junto ao "in side right forward" Flavio Ramos que, com um shoot muito bem conduzido, vasou o goal dos paulistas, marcando para seu team, findos 15 minutos de jôgo emocionante e cheio de belas peripécias, que provocaram os aplausos dos circunstantes. Os paulistas assumiram a ofensiva empregando todos os recursos, mas os fluminense sem resultado. A bola continuou no campo dos fluminenses e seu goal foi alvejado pelos forwards inimigos, porém improficuamente. Os jogadores cariocas cada vez demonstraram maior calma e tática, procurando sempre regularizar os ataques. Os seus forwards combinaram as avançadas e trataram de pôr em perigo o goal do valente antagonista, Tutu cujas excelentes qualidades de goal-keeper são bastante conhecidas, rebateu brilhantemente diversas bolas shootadas pelos cariocas, ora com fortes kicks, ora com certeiros munhecaços.
A peleja prosseguiu animadíssima; os forwards e halves fluminenses, carregaram o ataque contra o goal inimigo; a referida linha de posse da bola, avança combinadamente contra o antagonista. O "center-forward" Ataliba Sampaio, sabendo tirar, com a maior habilidade, proveito de um passe admirável "in side left" Gilbert Hime, shootou com segurança, fazendo aninhar a bola na séde-goal dos paulistas e marcou para o seu team o 2º e último goal.
Os aplausos foram prolongados e entusiasticos por algum espaço de tempo. Faltavam poucos minutos para findar o match e neste curto espaço de tempo ainda se desenrolaram belíssimas peripécias, que, tornaram o jogo cada vez mais atraente. Os paulistas procuraram tomar a ofensiva empregando todo, os recursos, mas os fluminenses destruíam as tentativas, isto é, reconhecia-se que o team do Rio era mais forte que o adversário. A sua defesa portou-se galhardamente, nulificando todos os esforços do inimigo. Terminou, finalmente, o emocionante match, aplausos e ovacães dos assistentes, com resultado geral: Fluminenses - 2 goals; — Paulistas 1. Ambos os teams jogaram bem, entretanto é de tôda justiça salientar-se A. Werneck, O. Werneck, Calver, Mutzembecker, F. Ramos, A. Sampaio e A. Motta, da lado dos fluminenses; J. Miranda, Jeffery, Stwart, Gonçalves, Vevé e O. Andrade, entre os jogadores do team de S. Paulo.
Cessados os aplausos que coroaram o brilhante triunfo do team do Rio, o Sr. Root levantou-se para entregar ao captain Werneck e artística taça oferecida pelo sr. Dr. Jorge Tibiriçá. S. Ex. pronunciou em ingles um breve discurso no qual sentia-se satisfeito em fazer o entrega do prêmio aos foot-ballers vencedores e deixou patente admiração pelo brilhante torneio que demonstrava a dedicação pelo desenvolvimento físico. As suas palavras foram abafadas com uma estrepitosa salva de palmas. Em nome dos jogadores respondeu o Sr. Philadelpho de Oliveíra que pronunciou uma bela alocução, sendo ao findar freneticamente aplaudido.
Notas:
Relata Flavio Ramos que o nosso saudoso captain Octavio Werneck, falecido em 1917, só pôde responder a Elihu Root:” thank you!" De nosso quadro, além de Octavio, não mais existem João Leal, Mutz e Ataliba
— De acôrdo com o registro de jogos do clube, nossos pontos foram feitos o 1º, por Flavio e o 2º, por Gilbert.
— Em nosso quadro brilharam dois ex-jogadores paulistas: Macedo Soares e Ataliba Sampaio.
— O juiz foi Raphael Sampaio, do Palmeiras e mais tarde, em 1908, nosso valoroso defensor.
— O Velódromo, campo oficiar do Paulistano, era o melhor de S. Paulo e lá o Botafogo disputou quase todos os seus jogos, até 1915, quando desapareceu a tradicional cancha.
— Grifamos e é interessante salientar, para bem focalizar a técnica da época que Tutú Miranda, o maior arqueiro de então, como também mais tarde Hugo de Moraes, o célebre guardião do Americano de 1911, só defendia de sôco e com o pé.
— Para se avaliar a fôrça do Botafogo de 1906 diremos que disputou o campeonato carioca com o Fluminense, o Paysandú, o Rio Cricket, o Bangú e o Atletic, chegando em quarto lugar, com quatro vitórias e seis derrotas, integrado pelos seguintes jogadores: Alvaro, J. Leal e Octavio, Raul Rodrigues, Macedo Soares e Bernaud, Norman, Flavio, Ataliba, Gilbert e Emanuel, ou Rolando, tendo jogado também Antonio Luiz Werneck, Antonio Rodrigues, Viveiros, Lulú Rocha, Adhemoro Delamare, Paulino de Souza e outros .
— Foi este o scratch paulista que dias antes do jôgo contra o Botafogo, enfrentou o quadro Sul-Africano: Tutú, Jeffery e Hodg-kiss; Pyles, Argemiro e Stwart; Léo, C. Miller, Vévé, Andrade e H. Ruffin.
Como se vê, sete désses jogadores, ou sejam: Tutú, Jeffery, Pyles, Stwart, Vévé, Andrade e H. Ruffin enfrentaram o Botafogo
Alceu Mendes de Oliveira Castro.
Acervo particular Alceu de Oliveira Castro Jungsted
Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 72 de setembro de 1948
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