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sexta-feira, 13 de março de 2020

OS INTERESTADUAIS DE 1906 A 1910 - 15º E 16º JOGO

 OS INTERESTADUAIS DE 1906 - 1916 

15º JOGO — Botafogo x Palmeiras. Data: 20 de agôsto de 1911. Local: Rio. Resultado: Botafogo 6x1. 


Anunciando este grande encontro, assim referiu-se a imprensa da época ao nosso quadro: "Para os que, como nós, acompanhamos o foot-ball no Rio, passo a passo, nos seus progressos e evoluções, desde a sua implantação no nosso meio esportivo até hoje, os jogadores do Botafogo apresentam-se salientemente, merecendo a denominação de genuinamente cariocas, porque na sua maioria, eles vieram do heróico e sempre lembrado Carioca, em cuja história aparecem os nomes de Mimi, Abelardo, Mario, Rolando e Lauro, "meninos", que no seu tempo faziam o terror do Rio Foot-ball Club. 

Quem não se recorda do "back" Lauro e do "capitain" Rolando? Por ventura é remota a data em que no campo da rua Conde de Irajá, de 50 m. de comprimento, Mimi, Mario e Abelardo ensaiaram os seus primeiros "shoots"? Estarão por ventura, esquecidas as belas vitórias do Carioca contra o Rio, em que aquela gente miuda "virava gente grande"? Por certo que não. Assim, quem já na infância conquistara tantos louros e se impunha como perfeito jogador, hoje, que está em pleno vigor da idade, deve possuir qualidades inegualáveis de footballer.

Os jogadores do Botafogo, entre os quais atualmente se encontram os simpáticos rapazes Raul de Carvalho, Baby Alvarenga e Carlos Villaça, que são os seus mais novos elementos, são de tal forma conhecidos, que seria uma estulta veleidade pretendermos descobrir-lhes alguma nova qualidade ou predicado. 

Parecendo, entretanto, que seu "team" hoje irá apresentar-se desfalcado de Lefévre e Villaça, isto nos leva, então, a noticiar as suas substituições por E. Dutra, Raul Rodrigues ou Dinorah de Assis, sendo cada um dêles jogadores do mesmo quilate que os seus colegas ausentes e antigos footballers do Botafogo. Edgard Dutra e Raul Rodrigues combinam-se perfeitamente, Dinorah de Assis é o completo "back" que, calmo e risonho, esperava os maiores ataques do inimigo. 

O "goal-keeper" Baby, na nossa opinião o melhor "goal-keeper" que tem aparecido nos nossos campos, primeiro, porque é mais ágil do que Hugo e por último, pela razão de restituir aos seus "forwards" com extrema rapidez a bola que êle apanha habilmente com elegância e segurança, começou a jogar êste ano no 2º "team" do Botafogo, tendo ido depois substituir Coggin no primeiro. 

Lulú "center-half", não precisa reclame. É respeitado aqui e em São Paulo, passando pelo mais completo "center-half", sôbre êle gira constantemente o "team". Os seus auxiliares de ala são tão combinados que parecem constituir uma peça única "suporte da defesa e que, ora se alarga protegendo o ataque, ora contrai-se para sustentá-lo". 

— "Jornal do Comercio" assim descreveu essa grande e estrondosa vitória botafoguense: "O dia de ôntem, quente e abafado, era um tanto impróprio à realização do grande "match" que devia efetuar-se à tarde no "ground" do Botafogo, entre os vencedores dos campeonatos do Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, a ansiedade era grande e maior a curiosidade da sociedade carioca por saber como terminaria a revanche do Botafogo contra o seu digno rival. Por êste motivo o "ground" do Largo dos Leões desde cedo, apresentava o aspecto dos dias de grandes pugnas; as arquibancadas cheias literalmente de representantes do High-life Fluminense, traduziam bem a ansiedade com que era esperado o anunciado encontro. 

Sabendo-se a rivalidade existente entre os "footballers" cariocas e paulista-e a boa fama de que eram precedidas a, equipes disputantes, era fácil prever grande massa popular que ôntem afluiu ao "ground" do Botafogo. Porém essa rivalidade existe apenas em campo, como um estimulo natural para a vitória, e para emocionar a massa popular, levando-a pouco a pouco ao delírio do entusiasmo. Essa rivalidade que estimula os combatentes, não os imped. de proceder em campo com tôda correção e lealdade, como ôntem procederam, mantendo uma linha própria de "sportmen". Os jogadores de cada um dos "teams" trabalhando e esforçando-se pelo bom resultada do jogo, não se esqueciam, contudo de que jogavam diante de uma sociedade fina e distinta, que lá fôra a fim de assistir a um bom "match" de "football association". Outra coisa não se podia esperar dos campeões de ôntem, que pelo espaço de 90 minutos empolgaram por completo a atenção da assistência com jogo magnífico. 

O match começou às 4 horas da tarde, no entanto, uma hora antes, já havia no "ground" muita gente, aguardando o inicio da prova. Além de outras festas, o grande prêmio do Derby, o anunciado encontro entre o "team" do Fluminense e os uruguaios, teatros e outras diversões, não foram suficientes para impedir que às 4 p.m., mais de 2.000 pessoas aguardassem ansiosas o "kick-off" do grande "match". O campo apresentava um belo aspecto. Lá para os fundos do "ground", parados por frágil cerca de arame, porém, detidos pelo respeito à autoridade, alinhavam-se grupos dos que, por medida de boa ordem, não puderam ter ingresso no "field". Fora do campo, as janelas, muros e telhados da vizinhança estavam também apinhados de curiosos, que desta forma entusiasmavam os jogadores. Nas arquibancadas, cheias literalmente, regorgitava o elemento "chic". Em baixo, junto a cerca, habitués partidários, torcedores enragé e curiosos comentavam a discutiam hipóteses, sôbre qual poderia ser o resultado de tão importante "meeting". Pouco antes das 4 horas chegaram ao campo em automóveis, os "footballers" paulistas acompanhados de sócios e diretores do Botafogo, sendo recebidos com prolongada salva de palmas pelos assistentes. Alguns minutos perdidos em "shoots in-goal", passam-se rápidos e logo após entra em campo o "referee", chamando os jogadores às suas posições. Pelas 4 horas foi dado sinal para principiar o "match", estando os "teams" assim organizados: 

PALMEIRAS — Rachou, Salerno e Urbano (cap.); Andrew, Collet, O. Egydio; Meireles, Godinho, Irineu, Raphael e Deodoro. 

BOTAFOGO - Baby, Villaça e Dutra; Rolando, Lulú (cap.) e J. Couto; Mario, Abelardo, Hasche, Mimi e Lauro. 

O jogo desenvolvido ôntem pelas equipes do Palmeiras e do Botafogo foi além de qualquer expectativa. Os jogadores, a princípio um pouco indecisos, como que procurando conhecer o valor do adversário, foram pouco a pouco desenvolvendo uma tática magnífica, um jogo certo e seguro, como se tem realizado poucos nesta Capital. Das fôrças equilibradas de ambos os "teams", não podemos deixar passar sem notar a superioridade com que se houveram, a maneira notável com que se portaram, Urbano, Salerno e Irineu, do Palmeiras e Abelardo, Mimi e Lulú, do Botafogo. 

O Palmeiras, como sempre, apresentou em campo um conjunto fortíssimo de jogadores. De sua "eleven" homogênea e treinada, a não serem os jogadores acima, não havia nomes a destacar, portaram-se todos com valor e galhardia, o mesmo sucedendo ao seu adversário. No "team" dêste, Abelardo alcançou um triunfo sem igual. A cada "goal" era-lhe feita uma verdadeira ovação, demorando-se prolongados os aplausos. 

Os "goal-keepers" de ontem, se tiveram pouco a fazer, êste pouco foi difícil porque os "shoots" não eram dirigidos a esmo, mas sim provenientes ou de "rushes" estupendos, quando os "forwards" passando os "backs", shootavam com fôrça, ou então, quando rebatendo um centro ou um passe, quase sem dar tempo de ver-se a trajetória da bola. O jogo dos "backs" foi além de tôda expectativa, principalmente Urbano e Salerno, calmos até o ponto de emocionar os próprios partidários. Quando todos já pensavam que de um "kick" de Abelardo, Mimi ou Hasche, iria resultar mais um ponto, ora Salerno, ora Urbano, com uma flêugma britânica, salvavam o seu "team" de um "goal" que a todos se afigurava inevitável. Os halves do Botafogo, quer individual, quer coletivamente, jogaram muito bem. Os "forwards" cariocas jogaram melhor do que se podia esperar, devido falta de "tranning" de conjunto, pois nem um ensaio fez o "team" completo. A linha de frente do Palmeiras, onde Raphael com competência e calma, dirigia com segurança o ataque, sobressairam em primeiro plano Irineu, Godinho e Deodoro. 

O "MATCH"

 Ao apito do juiz, os jogadores das duas equipes rivais, ocupam suas posições e aguardam o "kick-off". Há desusado movimento nas arquibancadas. O silêncio é quase completo e a emoção é grande. Urbano, "captain" do Palmeiras, ganha o "toss" e escolhe o campo que deixa o sol pelas costas de seus jogadores. Novo apito e Hasche dá o primeiro "shoot". O Botafogo não tira vantagem dessa saída, apoderando-se logo os paulistas da bola, carregam imediatamente sôbre o "goal" adversário, perdendo, porém, o "shoot" por um lado da trave. A um "goal-kick" tirado por Villaça sucedem-se os primeiros ataques de parte a parte, permanecendo a bola por algum tempo no meio do campo. De uma investida do Botafogo, resulta um cornar tirado contra o Palmeiras sem resultado. O "free-kick" dado pelo juiz devido a um "hands" de Deodoro também não da resultado. Em seguida o Palmeiras levando a bola em passes pela ala esquerdo investe sôbre o "goal" do Botafogo. De uma indecisão de Villaça, aproveita-se Godinho que lhe toma a bola e shoota "goal", da área de "penalty". Baby, colocado no canto oposto do "goal", não pode interceptar-lhe a passagem e ela ligeira, aninha-se a um canto do "goal” registrando o primeiro e último goal do Palmeiras, o qual foi muito aplaudido.

Os paulistas continuam a atacar, porem, perdem os seus esfôrços devido a um "off-side" de Godinho. O Botafogo que parecia começar a desanimar, resolve atacar o "goal" sob a guarda de Rachou e pouco depois de um "off-side" de Mario, Abelardo shoota de umas 20 jardas de distância. A bola, saltando com efeito na frente do "goal", engana Rachou e vai ter mansamente à rêde, abrindo o "score" do "team" carioca. A ansiedade com que era esperado êste ponto justifica bem a prolongada ovação que provocou. Reanimado com êste feito de seu incomparável "forward", o Botafogo continua a atacar, dominando o final do tempo, havendo mais dois corners um contra o Botafogo e outro contra o Palmeiras, os quais não alteraram o resultado do jogo, que terminou, no primeiro tempo, com um empate. 

Durante o "half-time" foi oferecida pelo Botafogo ao Palmeiras, um bronze artístico representando um foothaIler na ocasião de shootar, usando da palavra o Dr. Alberto Cruz Santos, presidente do clube, e respondendo o Sr. Edgarg Nobre de Campos, secretário da A. A. das Palmeiras. 

O jogo no segundo tempo mudou bastante, tendo o Botafogo dominado o valoroso adversário que, visivelmente fatigado, cedia terreno ao seu impetuoso ataque. Houve diversos "corners" e "off-sides" de parte a parte, sem resultado, a não ser um "corner-kick" tirado por Mario que enviou a bola quase diretamente ao "goal". Aos cinco minutos de jogo, Abelardo faz o segundo ponto para o Botafogo. Depois de uma série de peripécias emocionantes, nas quais salienta-se a magnífica defesa do Palmeiras, Lulú envia de boa distância belo "shoot" a "goal". A bola entraria certamente pelo canto superior do lado esquerdo, porém Rachou defende, ocasionando "corner". Mario dá o "kick", a bola passa rente à trave, e escorada pelo "half" Rolando vai ter às rêdes do "goal" paulista. Não haviam ainda cessado os aplausos dêste "goal" quando o Botafogo marca o seu quarto ponto, que foi sem dúvida o melhor do dia. Mario recebendo um passe do centro, escapa pela ala; O. Egydio sai ao seu encontro, porém ambos caem, indo a bola para o campo do Palmeiras. Abelardo avança e carregando a bola, shoota de quase sôbre a linha do "goal". Rachou defende, indo a bola ter aos pés de Mario, que já se achava à meia-direita e o qual shoota. O "goal-keeper" do Palmeiras rebate novamente, indo a bola ter ao pés de Mimi, que à distância de umas cinco jardas não hesita em aumentar o "score" do seu "team", com um forte "kick". Foi indescritivel o entusiasmo pelo "goal" resultante desta série de belíssimas peripécias. Daí em diante, o Botafogo domina francamente. O 5º "goal" foi feito por Abelardo que em bom "rush" dribla os halves, passa pelos "backs" e shoota enviezado da meia-direita. Cinco minutos depois, cabe ainda a Abelardo, marcar o 6º e último "goal", escorando um magistral centro de Lauro com boa cabeçada. Sem nada mais digno de nota, a não ser um "free-kick" tirado por Villaça, de meio do campo e defendido pelo "goal-keeper" Rachou, termina o importante "match" com o inesperado resultado de Botafogo 6 "goals" — Palmeiras 1 "goal" 

MOVIMENTO DE "GOALS"

 4.05 "Kick-off" 

4.20 Godinho   0 x 1 

4.35 Abelardo   1 x 1 

4.45 "Half-time   1 x 1 

5.05 Abelardo   2 x 1 

5.18 Mario   3 x 1 

5.20 Mimi   4 x 1 

5.30 Abelardo   5 x 1 

5.35 Abelardo   6 x 1 

"Referee": A. Werneck. "Linesmen" Lincoln Soares (Palmeiras) e A. Cabral (Botafogo). 

A noite foi servido no Grande Hotel um banquete de 60 talheres, no qual tornaram parte, além dos "sportmen" paulistas, sócios, convidados e representantes da imprensa. 

Ao "champagne" foram feitos diversos brindes, entre os quais um do Palmeiras ao "referee", e um do Botafogo, saudando a imprensa.

Os jogadores paulistas embarcarão hoje, pelo noturno das 6 p.m .

NOTA — Como se vê, foi um grande sucesso essa estrondosa vitória do Botafogo sôbre os campeões paulistas, ambos no momento, desfiliados de suas respectivas ligas. O jogo foi arbitrado pelo nosso veterano campeão Antonio Luiz dos Santos Werneck, que era um grande juiz. 

16º JOGO: Palmeiras x Botafogo. Data: 3 de setembro de 1911. Local: S. Paulo. Resultado: Palmeiras, 2x0. 

O "Estado de S. Paulo" assim descreveu sucintamente este encontro, que deu a taça "Salutaris", à A. A. das Palmeiras: "Perante boa concorrência, foi jogado ontem, no ground da Antartica, o ultimo match da serie Palmeiras-Botafogo para conquista da taça "Salutaris". No primeiro encontro, verificado no Rio saiu vencedor o Palmeiras por 4 goals a 2. No dia 20 do mês passado, a equipe do Palmeiras voltou ao Rio, afim de se encontrar novamente como campeão Carioca de 1910, tendo este lhe infligido uma derrota de seis goals a um. Ontem o Palmeiras logrou tirar uma revanche do Botafogo, batendo-o por dois goals a zero. O jogo desenvolvido por ambos, quer no primeiro tempo, quer no segundo, deixou muito a desejar. O campeão carioca de 1910 veio desfalcado de um dos seus melhores elementos da linha de forwards, o que muito prejudicou o ataque, que se manteve quasi sempre pouco seguro. O Palmeiras apresentou o seu team quasi que inteiramente modificado, figurando nele vários elementos que até aqui faziam parte do seu segundo quadro, de jogadores. Manda a verdade que se diga que os simpáticos sportmen que ontem substituiam Mario Egydio e Enrico Mendes não conseguiram desenvolver um jogo a altura do renome daqueles dois afamados foot-ballers. Com o concurso desses elementos, até aqui considerados como reservas, desapareceu a homogeneidade do team do Palmeiras, e o que é mais, aquela irrepreensível combinação entre os onze foot-ballers  que defendiam as cores alvi-negras. Como dissemos, o jogo desenvolvido pelos dois teams que se encontraram ontem na Antartica, esteve muito longe de satisfazer aos inumeros admiradores dos dois campeões do ano passado. O Palmeiras venceu o team carioca por dois goals a zero, sendo os dois pontos marcados por Fritz e Irineu".

NOTAS - O quadro alvi-negro, desfalcado de Abelardo neste encontro, foi o seguinte: Baby, Villaça e Dutra, Rolando, Lulu e J. Conto, M. Fontenelle, Damasceno, Hasehe. Mirai e Lauro. 

                                                       Alceu Mendces de Oliveira Castro

Acervo particular Alceu de Oliveira Castro Jungsted

Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 87 de dezembro de 1949


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