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sexta-feira, 13 de março de 2020

OS INTERESTADUAIS DE 1906 A 1910 - 18º jogo

 18º jogo — BOTAFOGO x AMERICANO Data: 6 de Outubro de 1912 — Local: Rio — Resultado: Americano, 3x0. 

Viveu, o Botafogo, em 1912, o mais dramático ano de sua existência, pois que já estando desfiliado da Liga Metropolitana, perdeu o seu campo da Voluntários. Sem liga, sem campo, resistiu impavidamente, organizando uma liga com pequenos clubes e arranjando um campo mediocre na rua São Clemente. No fim do ano, porém, renasceu a esperança, pois que o Glorioso obteve o terreno de General Severiano, que inauguraria em 1913. No meio tempo, recebeu mais uma visita do glorioso Americano, enfrentando-o no campo de São Cristovão, campo público onde se realizavam as paradas militares de 7 de setembro. Foi assim descrito pela imprensa da época êsse sensacional encontro: "Diante de extraordinária concorrência, realizou-se, ontem, afinal, o esperado encontro entre o Sport Club Americano, de São Paulo e o Botafogo F. Clube, desta capital. Apesar do mau estado de conservação que apresentava o campo onde se desenvolveu a grande prova, mau estado que prejudicava a cada momento as belas combinações de um e de outro lado, o match foi inegavelmente muito bem trabalhado, sobressaindo os perfeitos conhecimentos das equipes contendoras. O Botafogo, menos feliz do que o seu valoroso adversário, deixou de marcar goals, em vários momentos, por uma verdadeira falta de sorte. Da descrição que damos abaixo, poder-se-á ver como é razoável o que dizemos. Entretanto, convém salientar que o team alvi-negro poderia fazer muito mais, se o belo conjunto, formado de respeitáveis foot-balers estivesse ensaiado nas condições do adversário. E, enquanto é tempo, uma vez que está quasi assentada a sua ida a São Paulo, no próximo dia 3 de novembro, afim de jogar o returno do match de hoje, aconselhamos que faça treinos, sem modificar a magnifica constituição do eleven de agora, e estamos certos, outro será o resultado.". 

  Às 4 horas da tarde, chegaram ao field de São Cristovão, quasi a um só tempo, as equipes do S. C. Americano e do Botafogo F. Clube. Atuando como juiz, o Sr. Antônio Luiz dos Santos Werneck, chamou, em seguida, os jogadores às posições, estando os teams do seguinte modo organizados: 

S. C. AMERICANO — Hugo; Meneas e Itaborahy; Bertone II, Bertone I e Sebastião; Irineu, Eurico, Octavio, Alencar e Mauricio, 

BOTAFOGO F. C. — Alvaro; Dutra e Pullen; Rolando, Lulú e Juca; Villaça, Abelardo, Décio, Mimi e Lauro. 

Eram 4 horas e 10 minutos, quando foi feita a saída pelo Americano, que logo perdeu a bola para os halfs contrários, que a devolveram a seus forwards. É Abel+ardo o primeiro da linha de ataque do Botafogo que se salienta, infelizmente sem resultado, porque a defesa paulista é forte e está vigilante. Volta a bola para o centro do campo, aonde, retornando-a a linha americana, organiza a primeira investida contra as barras dos cariocas, investida que se vae quebrar de encontro a Dutra, full-back do Botafogo. São, em seguida, os forwards do team preto e branco que avançam, mas, ainda uma vez, é rebatida, pela defesa contrária, a bola para o meio do campo. E assim, em ataques revezados, passam-se os primeiros momentos do jogo, até que o extrema-esquerda do Americano, apanha a bola pela ala, corre um pouco e shoota in-goal; a bola bate a um tempo na trave e na mão de Alvaro, e, sem que o goalkeeper do Botafogo tenha tempo de rebatê-la para o centro, ela vae ter aos pés de Irineu que, com fraco shoot marca o primeiro goal do dia. Dada nova saída, a linha do Botafogo organiza uma boa investida, em que combinam magnificamente Décio e Mimi. O primeiro, apanhando posição, dá formidável kick, a 25 jardas, passando a bola por cima da trave do goal. Posta de novo a bola para o meio do campo, por um back americano, e a mesma presa por Abelardo que driblando uma dos full-backs contrários, sae escapado: o outro back, porém comete o foul contra o meia-direita do Botafogo, foul que é punido pelo referee, tirado sem nenhum efeito. Em continuação, é ainda o Botafogo que ataca, em boa combinação de passes curtos, entre Décio e Abelardo. Ambos conseguem passar pelos full-backs paulistas e Abelardo shoota com violência, fazendo Hugo, goal-keeper americano, uma linda defesa; Décio, entretanto, ainda próximo do goal, dá grande kick, indo a bola bater em cheio sôbre o estômago de Hugo, o que o trouxe incomodado por alguns momentos. O Americano, vendo que o Botafogo organizava consecutivos avançados contra o seu goal, procura imitar-lhe, no que envida sérios esforços Mimi, procurando retomar a bola do center-half americano, cae, em dado momento, ferindo-se bastante num joelho. A linha de ataque dos paulistas combina e avança; o seu extrema-esquerda faz um bom passe a Alencar, que shoota sem perda de tempo contra goal do Botafogo. Alvaro defende, atirando a bola para fora da linha de penalty, caindo, porém! Eurico, nêste momento, aproveita o ensejo e marca o segundo goal, indefeso. Em seguida há mais alguns ataques revezados, de ambos os lados, muito se salientando os dois goal-keepers, até que o juiz apita, por estar terminado o primeiro half-time, com o resultado de: Americano, 2 goals x Botafogo, 0 goal. Durante 15 minutos descansaram os jogadores, após o que voltaram ao campo. É do Botafogo a saida, feita de modo admirável pelos forwards cariocas. Décio, puxando a linha, faz passe largo a Lauro que recebendo a bola, devolve-a com um belo centro. Abelardo recebe-a e shoota vigorosamente contra o goal adversário, mas, sem direção. Há um verdadeiro empenho no ataque do team alvi-negro que começa a dominar visivelmente. Segue-se um verdadeiro bate-bola na porta do goal americano, onde halves e backs paulistas trabalham extraordinariamente afim de evitar que a sua rêde seja vasada. Nêste momento, Abelardo, Décio e Mimi ficam á bica de abrir o score para o seu team, não o conseguindo porque Menezes, Itaborahy e Hugo nulificam os seus esforços. Muda-se, em seguida, a mesma cena para a porta do goal do Botafogo, onde a bola chega trazida pelos forwards paulistas para pôr em relevo os méritos de Alvaro que subsequentemente faz duas belas defesas. Voltando para o centro do campo é a bola conduzida pelos halves do Botafogo, enquanto a linha avança em perfeita igualdade; Lulú depois de driblar a um só tempo os dois irmãos Bertone, faz passe a Décio e êste a Villaça que, apanhando a bola, dá violento kick in-goal, mas sem direção. Nêste momento o jogo é completamente dominado pelo Botafogo, cuja linha de forwards não dá trégua à defesa contrária. Rolando, Lulú e Mimi redobram de esforços, enquanto Décio procura todo geito de fazer goal. Villaça, em poucos momentos, faz dois ou três centros perigosos e que são de grande precisão. A sorte, porém, faz com que mesmo na porta do goal a bola vá cair sempre aos pés de Menezes e de Itaborahy. Ainda assim, o ataque do Botafogo foi obrigar a defesa americana a dois cornes, em poucos momentos. O jogo torna-se depois movimentado e belo. Uma "cavação" estupenda é feita de lado a lado, até que uma combinação mais séria, contrária, a defesa do Botafogo mostra-se atenta e com três cornes seguidos evita que o seu goal seja vasado. Décio consegue fa-er ainda uma bela puxada da linha, bem auxiliado por Lulú e Mimi, até que nos proximidades do goal americano Mimi, mais uma vez, tenta abrir o score, sem resultado. Faltavam apenas três minutos para terminar a hora, quando Irineu, recebendo na cabeça um magnifico centro da es-uerda, vasa pela terceira e última vez o goal do Botafogo. Foi êste o único goal bonito marcado pelo valente eleven paulista. Pouco depois terminava o jogo, com o resultado seguinte : Americano, 3 goals x Botafogo, 0 goal.   Durante o half-time, usando da palavra o Sr. Paulo Martins, secretário do Botafogo, ofereceu ao S . C. Americano, em nome do Presidente do Bota-ogo F. Club, uma linda taça de prata com significativa dédicatória. Agradeceu em nome do S. C. Americano, o Sr. Menezes, captain do team paulista. As palavras usadas pelos representantes dos dois clubs tiveram o cunho de uma grande afinidade esportiva e promessas da maior solidariedade.   Abrilhantando a festa, foi presente a magnífica banda musical da Fábrica de Tecidos Botafogo, cuja estréa em público causou a melhor das impressões, já pelo gosto com que está uniformisada, já pelo escolhido repertório apresentado.   No Grande Hotel, onde se hospedaram os players paulistas foi servido, ontem, à noite, um lauto banquete de quarenta talheres, sendo trocadas saudações cordialíssimas.   A equipe do S. C . Americano só hoje pelo trem N. P. 1 regressa para São Paulo, devendo partir da gáre da Central, à 6 da tarde.   Ao terminar estas noticias, enviamos os nossos parabens aos distintos moços do Botafogo F. Club, pelo fim altruístico a que destinaram a renda das entradas, que é em benefício da Sociedade São Vicente de Paula, da freguezia de São Cristovão. 

NOTAS — A nota supra deixa-nos boquiabertos: o Botafogo, sem rendas, sem campo, quasi sem sócios, destinou a renda dêsse sensacional encontro aos pobres!   Para êsse encontro, o Botafogo organizou um belo conjunto que, embora completamente destreinado, por fôrça das circunstâncias que atravessávamos, enfrentou bravamente o mais poderoso quadro do Brasil, que era certamente o do glorioso campeão paulista de 12-13. O arco foi novamente confiado ao seu primeiro defensor, o valoroso e benemérito Alvaro Werneck e, por falar em guardião, é interessante observar que, como se vê na fotografia, foi em 1912 que passaram êles a usar a camisa diferente das dos outros jogadores. Na linha de ataque, além de ter Villaça, que era também um excelente forward, atuando na extrema, jogaram Abelardo que, infelizmente, após o seu célebre incidente, desgostara-se do futebol e quasi não mais jogava e Décio, que em São Paulo, em 12, defendera o Mackenzie e que aqui estava de passagem.   A taça do jogo foi oferecida pelo Dr. Joaquim Delamare, presidente do club e que muito trabalhou pelo seu reerguimento. Foi a última vez que Irineu Malta, o grande atacante amigo enfrentou o Botafogo, por isso julgamos interessante reproduzir os trechos abaixo da entrevista que êle concedeu anos mais tarde a Ralph de Palma, para "O Imparcial": "Jogador de ataque, especialisei-me nos arremates sõbre o arco, que são o lance supremo do futebol. Os críticos chegaram â conclusão que nessa especialidade caital poucos foram os atacantes que se me aproximaram. E citavam um único exemplo: Abelardo Delamare. Parece-me, porém, que os meus amigos da imprensa foram exagerados, pois, no meu tempo, atuaram Alencar, Mimi, Facchini e Juvenal, todos êles brilhantes arrematadores". "De jogadores cariocas que me hauvessem agradado, lembro-me dos irmãos Delamare (Abelardo e Rolando) e de Mimi, todos azes do famoso Botafogo de 1910. Quando, sobretudo, uma grande recordação de Rolando. Admirável half, aquele! Se tivesse morado no Rio teria jogado pelo Botafogo F. C., sociedade da minha simpatia". Ao mesmo Ralph de Palma, também declarou Pedro Bicudo, sôbre arremates: "Admiro também os goals rápidos, instantâneos, fulminantes. Décio foi uma fábrica dêles. Vi-o fazer um goal dêstes contra o Botafogo, cujas cores aliás, defendeu. Estava êle, então, além da linha do centro! ltaborahy, como Irineu, prefere entre os cariocas, Rolando, Abelardo e Mimi. 

                                                        Alceu Mendes de Oliveira Castro 

Acervo particular Alceu Oliveira Castro Jungsted

Fonte: Boletim Oficial do BFR nº 89 de fevereiro de 1950

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